O crime que abalou o Brasil

Duas décadas depois do assassinato de PC Farias, tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor, ninguém foi condenado pelo crime

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O tempo jogou uma pá de cal sobre o caso PC Farias, afirma promotor

“Levei pancada para tudo quanto é lado. Mas eu tinha que ter um foco”, lembra Luiz Vasconcelos. Promotor que atuou nas investigações das mortes de Paulo César Farias e de Suzana Marcolino, ele conta que, ao assumir o caso em 1998, teve de tirá-lo da mídia por um ano para resolver o conflito entre os dois laudos existentes.

O primeiro dizia que, na madrugada de 23 de junho de 1996, Suzana matou PC e depois se suicidou, motivada por um pretenso fim do namoro entre eles. O segundo defendia a tese de duplo homicídio.

“Eu tinha que ter um terceiro grupo que me dissesse por que um laudo estava certo, por que o outro estava errado e qual era a verdade dos fatos. Então, nós refizemos todos os laudos”, afirma Vasconcelos.

Ele diz que as provas do duplo homicídio são inquestionáveis, embora não apontem quem atirou no casal ou se houve um mandante do crime. “Ao autor intelectual você só chega se o material falar”, diz. Ninguém, até hoje, falou.

Mesmo assim, para Vasconcelos, os quatro seguranças que estavam no local das mortes, no momento em que elas ocorreram, têm responsabilidade. “Eles estavam envolvidos por ação ou omissão. Ou eles viram quem fez e não fizeram nada ou saíram da casa e a deixaram vazia para que alguém fosse lá. Ou algum deles atirou. Não tem outra alternativa. O criminoso ou está entre eles ou eles sabem quem foi.”

O promotor de Justiça Luiz Vasconcelos, que entrou no caso PC Farias em 1998
O promotor de Justiça Luiz Vasconcelos, que entrou no caso PC Farias em 1998

A complexidade técnica das provas, de acordo com o promotor, dificultou o entendimento dos jurados durante o tribunal do júri de 2013. Na ocasião, os quatro réus foram absolvidos.

“Se você tirou a discussão da mídia e da sociedade por 15 anos, você jogou uma pá de cal, trabalhou contra, seja porque a sociedade perdeu a percepção, perdeu a informação, seja porque os acusados envelhecerem. Naturalmente, a defesa, inclusive, utilizou esse artifício para chamar o emocional dos jurados. O envelhecimento das pessoas já leva para os jurados uma vontade maior de ser complacente, de ser mais compreensivo”, diz.

Leia abaixo a íntegra da entrevista com o promotor.

Folha – Quando o senhor entrou no caso?
Luiz Vasconcelos – No primeiro momento o caso foi para uma colega promotora que atuava nesta área. Pouco tempo depois, ela pediu afastamento por questões particulares, e aí, como eu já atuava na área do combate ao crime organizado, o procurador pediu para que eu assumisse o caso. Mas eu não era o titular da Promotoria. Era a Promotoria de crimes dolosos contra a vida, de homicídios.

O senhor ficou até quando?
Fiquei até as alegações finais.

Há dúvidas sobre o duplo homicídio?
As provas são absolutamente contundentes. São inquestionáveis de que Suzana não se suicidou nem matou Paulo César e de que tem uma terceira pessoa na cena do crime. Não é que eu tenha 99% de certeza, eu tenho 100%. As provas são absolutamente inquestionáveis de que foi duplo homicídio.

Mas quem atirou?
Quem atirou eu não sei. E essa foi a tese da denúncia. Eu sempre cito como exemplo: estamos dez pessoas aqui nesta sala, uma morre e as outras nove fazem um pacto para dizer que nada viram e nada sabem, mas eu provei que as nove estavam na cena do crime, na hora do crime. Então, se elas não dizem quem foi que atirou, todas elas são cúmplices, naturalmente, por ação ou omissão. A lei prevê isso é essa foi a denúncia.

As provas são contundentes, mas os ex-seguranças foram absolvidos.
Como é um caso extremamente técnico, complexo, a prova não está num ponto só, está em vários pontos. Você ter duas horas para fazer uma explanação para um júri que não vivenciou, que não acompanhou o caso, porque foi um caso que foi debatido na mídia local e nacional por dois anos, e eu tive a oportunidade de mostrar que tipo de prova tinha, que tipo de convicção essas provas davam, e, naquele momento, você tinha uma sociedade que tinha absoluta percepção dos fatos, ainda que esses fatos fossem extremamente técnicos. Não é um caso que você diz: “Eu vi e foi fulano”. Não. É um caso que você tem que juntar todas as peças e ver que, ao final da montagem, o quadro é claro. Imagine que foi essa dificuldade que o promotor que atuou no júri teve.

Se tivesse sido julgado naquela época, o resultado do júri poderia ter sido diferente?
Não tenho a menor duvida disso.

Os quatro ex-seguranças seriam condenados?
É uma questão da cabeça dos jurados, mas que as provas seriam muito mais facilmente explicadas, repassadas para o convencimento dos jurados, eu não tenho dúvida disso.

O caso completa neste mês 20 anos sem nenhum punido. O senhor acredita que vai completar 30, 40 anos sem se saber nada?
Infelizmente, neste tipo de caso, o tempo trabalha contra, como trabalhou ao longo desses 15 anos que passou [até o júri] sem uma decisão. Como é um caso de muita tecnicidade, de provas em que você busca uma e outra e na junção delas é que você tem a visão clara dos fatos. A explicação inicial é que a Suzana tinha atirado em Paulo César e se suicidado. Então, você não tinha um culpado, não tinha como punir. E aí a explicação técnica que montaram naquele momento foi a de que a Suzana atirou em Paulo César e se matou. Nós provamos cientificamente que não tinha a menor condição de Suzana atirar em si mesma, seja pela posição do tiro, seja porque ela não tinha nas mãos qualquer indicativo de utilização de arma. Aí dizem: mas ela tinha resquício de pólvora. Muito bem, eu digo isso como exemplo: você pega uma Coca-Cola e faz uma análise dela. Aí eu exponho a composição da água gaseificada. Eu disse que era Coca-Cola? Era água com gás. Para dizer que era Coca-Cola eu tenho que chegar à composição química do soro da Coca. A Suzana tinha uma composição química nas mãos que também tinha na do Paulo César, exatamente igual, porque ambos fumavam e acendiam o cigarro com fósforo. Para que tenha a composição química de um disparo, como o disparo aquece muito mais a pólvora, você tem que ter uma composição química associada com chumbo, com bário, com antimônio. Isso não tinha nas mãos deles. Foi feita uma microscopia de varredura. Não tinha. Eu cheguei ao detalhamento de pegar, para não dar nenhum tipo de margem de erro, o mesmo lote da composição química da pólvora que estava naqueles projéteis deflagrados contra Suzana e Paulo César, e não estava lá. Criamos uma situação de demonstrar porque a Suzana, se atirou em si mesma, por que não tinha vestígios de pólvora nem sangue nas mãos? Segundo o laudo, ela teria atirado a poucos centímetros do corpo dela. Por que não tinha sangue? O primeiro laudo diz que o sangue se projetou de tal maneira que passou pela mão e pegou do outro lado. Mas tinha no anel dela sangue. Nós fizemos vários testes que mostraram que, em 100% dos casos, o sangue teria pego na arma e na mão dela. A arma foi limpa. Disseram que não tinha impressão digital, mas o [médico legista] Badan Palhares disse na época que, em 95% dos casos não ficam impressões digitais na arma em condições de serem analisadas. É verdade, em parte. Naquele tipo de arma, e nós fizemos testes em muitas pessoas, em 100% dos casos, ficou pelo menos uma impressão digital, e em 80%, ficaram duas. E não se acharam nada naquela arma. A arma foi limpa.

A tese que já saiu naquele dia era a de que a Suzana tinha atirado em Paulo César e, depois, se matado. Quer dizer: ela passou cinco horas pensando se ia morrer ou não. Depois, resolveu se matar. É absolutamente inaceitável isso.

E a altura dela estava errada.
Tinha a situação de que ela atirou nela mesmo. Para que você possa definir uma trajetória, você tem que ter a entrada e a saída. Naquele caso você tinha mais de um ponto para poder traçar isso. Você tinha a entrada no corpo dela, você tinha a saída no corpo dela e você tinha a entrada e a saída na parede. A partir daí você define uma trajetória. O projétil no corpo dela não pegou em qualquer parte dura, osso, na costela, nada. Passou direto. Já está definido que ela não poderia usar a arma, que não tinha nenhum vestígio nela que indicasse isso, com 100% de certeza. Então onde estaria a outra pessoa [o atirador]? Você define a altura, o posicionamento, a localização.

Não poderia ter sido feito ali, na hora, um exame nas mãos dos seguranças?
Deveria ter sido feito o exame nas mãos dos seguranças. Mas, como eu disse: quando descobriram os corpos pela manhã, de tarde já tinha uma teoria pronta.

Houve erros da polícia? Deixaram muitas pessoas entrarem no quarto.
Não vou chegar a esse ponto. Você não tem, no Brasil, ainda hoje, a cultura de preservação do local do crime. Você tem muita dificuldade em relação a isso. Naquela época, mais ainda. A pressa de dar uma satisfação muito grande. Queimaram o colchão, o lençol, o travesseiro que estava impregnado de sangue e fedia. Você guarda órgãos, você tem que preservar as peças do crime. Mas, independentemente disso, felizmente, a perícia que foi realizada no local foi tão detalhada pelos peritos de Alagoas, que conseguiram me dar o posicionamento exato de cada corpo, da Suzana e tudo o mais. A Suzana tinha uma limitação. Ela não podia ir pra frente, porque tinha o raio do sangue, ela não podia ir para atrás, porque tinha a cama, não podia ir para a esquerda, porque tinha o Paulo César, e não podia ir para a direita porque caía da cama. Ela tinha que ficar num ponto definido. A partir daí você define o trajeto da bala e a maneira como ela foi assassinada. São situações técnicas. Não cabe ilação, não cabe dizer de outra maneira: ela não estava flutuando, levitando [no momento dos disparos], não existe isso.

Onde estava o Augusto Farias [irmão de PC Farias], no momento do crime?
Se não me falha a memória, segundo os depoimentos, ele tinha ficado até por volta de 1h30 da manhã [no local do crime]. Eles tinham bebido e, segundo ele, ele tinha ido para a casa dele, se não me falha a memória acompanhado da namorada dele na época.

Isso se comprovou?
São situações que você tem que se ater às provas que tem. No caso, as provas testemunhais. Não tem nada que indique o envolvimento dele na morte do Paulo César ou de Suzana. Você tem entre as mortes um vácuo de tempo. Os seguranças estavam lá na cena do crime. O suposto arrombamento do quarto foi fraudado. Está bem claro nos autos que a porta do quarto do Paulo César estava destravada [havia outra porta, do corredor que levada ao quarto, que estava trancada], mas os seguranças sequer testaram, bateram, e olha que tinha um corredor até chegar ao quarto dele, e decidiram ir para a janela, que era uma janela que tem um fecho de rosca, o pino desce, então a dificuldade para abrir é muita. Mas, coincidentemente, o pino não estava tão fechado assim. Conseguiram forçar um pouquinho e empurrar. São pequenos detalhes. A partir de determinada hora, a governanta foi servir o café e ele não atendeu. Tentaram ligar para falar no telefone com ele, e ele não atendeu. Aí se preocuparam. Em vez de tentar o mais óbvio, que era a arrombar a porta, era só dar um chute que ela caía, fizeram toda uma parafernália para arrombar uma janela pesada, com esse tipo de fecho.

E sobre o mandante?
Não cheguei ao mandante. Os delegados que estavam trabalhando a época fizeram esse tipo de suposição. Como ele era deputado federal à época, foi desmembrado para que o Supremo analisasse. Mas não foi o meu convencimento.

O senhor não chegou a uma conclusão de quem foi o mandante?
Não.

Havia motivos para se acreditar na tese do homicídio seguido de suicídio? Ela comprou a arma, fez ligações para um dentista. Disseram que PC queria terminar o namoro.
Está bem claro também nos depoimentos que ela foi induzida a ficar amedrontada. Por um dos seguranças, ela acreditou que ela estava sendo seguida, que ela corria risco de morte. O próprio segurança a induziu para que ela comprasse uma arma. Isso foi duas semanas antes. Ela comprou a arma de uma parente dela, foi, deu dois, três, cinco tiros [para aprender a usar a arma] e, convenientemente, passou a andar com esta arma, sem nem saber manusear direito. Suzana era uma mulher que vivia de namoro com políticos. Era uma menina que não tinha maiores envolvimentos emocionais. Com o Paulo César ela já tinha ganhado uma loja, uma conta bancária. Ela ia perder o quê [com o fim do namoro]? Ela estava no lucro. Ela teve outros envolvimentos com muito mais força do que teve com Paulo César e não ficou dessa maneira. Por que ficaria com o Paulo César? Teve um laudo que disse que ela tinha tendência suicida. Neste laudo está escrito: nós visitamos a casa dela, a casa precisa de pintura, tinha luzes queimadas, televisão quebrada. Juntando com o fato do Paulo César querer terminar o namoro, ela entrou em surto e matou ele e quis se suicidar por conta disso. Ela nem ia ficar pobre. E se todo mundo que tivesse problemas na sua casa, luz queimada e televisão quebrada se suicidar, eram 90% da população brasileira. É uma coisa absolutamente imbecil.

E as gravações que ela deixou para o dentista?
Isso foi nos minutos finais. A gente não sabe que tipo de induzimento foi feito. Se era: olha, você vai ter que ir para bem longe, ter que sumir daqui, ficar lá. Existem várias teses sobre esse suposto envolvimento com esse dentista. Esse caso do dentista é muito estranho. Mas foi investigado em outro processo do envolvimento do Paulo César com lavagem de dinheiro. A gente sabe que a lavagem de dinheiro é vinculada a contas numeradas. A Suzana, a partir de determinado momento, passou a ser uma espécie de pombo-correio do Paulo César. Eu não gosto de falar nisso, porque é ilação, não tenho provas, não tenho nada, mas poderia justificar esse relacionamento dela com o dentista. Ela era uma menina jovem, bonita. Não conheci esse dentista. Mas ele era jovem também.

Na época, ele disse que se eles conheceram ali.
Não. Ela foi lá, já era a segunda ou terceira vez.

Sobre a Elma Farias, ex-mulher de PC que morreu antes, possivelmente de causas naturais, houve alguma investigação?
Eu acredito no assassinato dela. São coisas muito semelhantes. A Elma, alguns dias antes, tinha dado uma declaração pública de que o marido dela não era tão culpado assim e que ia dar nome aos bois. Ela tinha laudos que indicavam que ela estava com a saúde perfeita e de repente teve um ataque cardíaco do nada e, menos de 24 horas depois, estava cremada. O Paulo César chegou, inclusive, não tenho esses dados formais, mas ele teria fretado um avião para levar ela rapidamente de Brasília para São Paulo para ser cremada. Eu fui absolutamente criterioso de só apontar o que estava formalizado nos autos, mas chegaram muitas informações não oficiais, pessoas que chegaram e contaram que o Paulo César estava extremamente insatisfeito com o fato de ter perdido o controle das contas, de que essas contas que ele administrava estavam, a partir do momento em que ele foi preso, sendo geridas por outra pessoa, e aí você começa a fazer uma análise aglutinativa dos fatos. Na quinta-feira subsequente ao assassinato, ele iria prestar depoimento no Supremo e tem informes de que ele teria ameaçado também abrir o jogo. Mas isso não está provado nos autos. São informes que me chegaram na época. Fora que ele era um arquivo vivo, ele não era a cabeça do grupo, ele era só um gestor do recurso do grupo. Seguramente, outros interessados tinham.

Havia um disputa pelos negócios deles?
Não, não foi [por disputa]. Quais eram os negócios dele? Na época, a empresa dele, a Tratoral, estava em situação pré-falimentar. A outra empresa, acho que na época já tinha a Blumare, já não me recordo bem, mas era vinculada a outros irmãos dele. Quais eram as empresas que ele tinha? A renda dele vinha dessa movimentação que ele fazia.

Um funcionário da família Farias tentou subornar um delegado?
Não me recordo. Não era fato que me preocupasse naquele momento. Eu tive que tirar o caso da mídia por quase um ano para poder investigar com uma certa tranquilidade e aí levei pancada para tudo quanto é lado. Mas eu tinha que ter um foco. Então nós montamos uma nova equipe de investigação, uma nova equipe de peritos, porque eu tinha dois laudos que se conflitavam. Eu não sou médico legista nem perito. Eu tinha que ter um terceiro grupo que me dissesse por que um laudo estava certo, por que o outro estava errado e qual era a verdade dos fatos. Então, nós refizemos todos os laudos. Chegamos ao esmero de criar uma tabela, porque disseram que a Suzana tinha 1,67m. Criamos uma tabela nacional, fiz contato com a USP para que ela fizesse ao longo de um tempo um registro de todos os corpos que entravam lá na universidade para que a gente tivesse uma mensuração exata do brasileiro, porque as tabelas que a gente tinha eram americana, inglesa, francesa, em que o fenótipo não é igual ao nosso. A margem de erro era de 5% para mais e para menos. E veio outra situação também. Nós procuramos por tudo quanto era canto, algum indicativo da altura da Suzana. Foi o grande erro deles: na hora que fizeram o exame da Suzana aqui, esqueceram de medir a altura dela, e aí pegaram a ficha dela no instituto de identificação, em que você não é medido para nada. Ela tinha problema com a própria altura, porque era muito pequenininha.

Conseguimos uma fotografia na qual você tinha a possibilidade real de mensurar a altura dela, porque você tinha objetos fixos para conseguir medir. A partir daí você fez a comparação da altura da Suzana e ficou inquestionável que ela tinha 1,56 m e não se encaixava no perfil que eles tinham dito. Com a junção da nova tabela com o fenótipo do brasileiro, aí é que a coisa ficava absurda.

O que derrubou o primeiro laudo foi a altura dela?
Sim. Todos os outros fatos já demonstravam que ela não tinha atirado. Mas o cerne, a base de tudo era a altura. Naquela altura, ela podia [ter atirado]. O responsável na época por essa afirmativa, numa reunião que teve com peritos criminais disse: “Não, se a altura não for essa, está tudo errado”.

Mas o caso ficou parado até 1999?
Não, de 1996 a 1997 ele ficou com a outra colega da Promotoria que ficou investigando. Acho que em 1998 veio para a minha mão. Foi quando eu tinha as duas situações. Estava absolutamente entre a cruz e a espada. Eu tinha de um lado técnicos dizendo que tinha sido aquilo e, do outro, a pressão popular dizendo que não foi. Para o lado que eu fosse, eu ia descontentar alguém. Porque era metade da população dizendo que foi [homicídio seguido de suicídio], metade dizendo que não foi. Vou tirar o caso da mídia, e passamos quase um ano investigando, de 1998 a 1999, porque eu tinha que demonstrar que, a partir dali, o que eu afirmasse, eu provava. Passamos um ano refazendo toda a parte pericial, toda a parte de comprovação dos fatos, reexame da arma, reexame da altura, a criação da nova tabela, uma reanálise da microscopia de varredura, a análise da composição química dos elementos, esses detalhes das oitivas para botar cada pessoa no seu local, aí você chega em determinado momento em que o Paulo César está lá com ela e todos os seguranças somem. “Era São João e eu fui para um festa.” Amigo, você é segurança. Todo mundo saiu. Quer dizer, na hora em que o Paulo César foi morto, todo mundo estava fora? Na hora que a Suzana foi morta, também ninguém estava lá, segundo eles. Em outro momento eles dizem: “Não tinha como ouvir os tiros, era período de São João”. Às 2h da manhã, soltando fogos? E você não sabe, você é um policial militar e não sabe diferenciar um barulho de um disparo para um barulho de fogos de artifício?

O caso está encerrado?
Em relação às provas, está encerrado. Não sei se a Promotoria recorreu [da decisão do júri de 2013, que absolveu os quatro ex-seguranças]. Para mim, [a absolvição] é absolutamente contrária às provas. Agora, é um caso de extrema complexidade técnica, eu não sei se você consegue em duas horas dizer de uma forma clara para que os jurados entendam. Era necessário que houvesse toda uma discussão social sobre o fato, que os dois lados falassem para que você conseguisse demonstrar e convencer da sua tese.

Mas e o mandante?
O autor intelectual você só chega a ele se o material falar. O Paulo César tinha muitas frentes de possibilidades. O pessoal que era vinculado ao grupo do qual ele era o gestor dos recursos. Tinha o fato de ele ter acesso a muitas informações cuja divulgação não interessava a muitas pessoas. Os seguranças estavam envolvidos por ação ou omissão. Ou eles viram quem fez e não fizeram nada ou saíram da casa e a deixaram vazia para que alguém fosse lá. Ou algum deles atirou. Não tem outra alternativa. O criminoso ou está entre eles ou eles sabem quem foi.

Para chegar ao autor intelectual, só se algum deles falar?
Fomos por vários caminhos. Nós tivemos vários informantes, alguns chegaram até a serem assassinados. Dois, na época. Estavam passando informações do grupo, mas não conseguimos chegar ao autor intelectual. Eu nunca me envolvo emocionalmente com nada, tento ser absolutamente técnico, mas esse desiderato era por mim o óbvio. É um caso de extrema complexidade. Se você tirou a discussão da mídia e da sociedade por 15 anos, você jogou uma pá de cal, trabalhou contra, seja porque a sociedade perdeu a percepção, perdeu a informação, seja porque os acusados envelhecerem. Naturalmente, a defesa inclusive utilizou esse artifício para chamar o emocional dos jurados. O envelhecimento das pessoas já leva para os jurados uma vontade maior de ser complacente, de ser mais compreensivo.

Quem paga a defesa deles é o Augusto?
Sim. E é o primeiro caso em que eu quero descobrir quem matou seu irmão e você fica com raiva de mim, mas tudo bem.

O senhor teve problemas com ele?
Não. Me encontro, cumprimento. A gente se dava bem. Alagoas é um Estado pequeno, Maceió é pequena também. A gente se conhece, tem relacionamento, mas não de intimidade e de amizade. Mais social.

O senhor costuma encontrá-lo?
Muito pouco. O outro irmão, o Rogério, me dou muito bem com ele.

Folha

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