Por volta das 15h, Jorge percebeu que o rio estava subindo rapidamente e com um forte cheiro de lodo. Decidiu então elevar os eletrodomésticos para a parte de cima do sobrado onde mora com sua mãe, cerca de 400 metros longe do rio. Mas em poucas horas a lama já estava passando pela porta, e Jorge começou a receber mensagens no celular de familiares e vizinhos desesperados.
Durante a noite, a falta de luz e a queda da internet dificultaram ainda mais a situação. Ao amanhecer, Jorge viu que as ruas estavam desaparecidas e o cemitério local estava alagado. Pessoas e animais estavam desaparecidos, e a comunidade estava em estado de choque.
Apesar de ter sua casa parcialmente atingida, Jorge decidiu ajudar seus vizinhos na limpeza assim que a água baixou. Ele também criou um grupo de voluntários para resgatar e tratar os animais atingidos pela enchente. Ao longo desse trabalho, ele adotou um cão chamado Chocolate.
Para Jorge, a situação poderia ter sido evitada com medidas simples, como a dragagem do rio para retirar entulhos. Ele destaca que, embora o saque emergencial do FGTS ajude financeiramente, ele não soluciona o problema por completo.
De acordo com a Caixa Econômica Federal, os saques do FGTS em calamidades já atingiram a marca de R$ 3,7 bilhões em cerca de 10 anos. No entanto, os recursos efetivamente pagos para a redução de riscos de desastres pelo governo federal foram de aproximadamente R$ 1,1 bilhão, de acordo com a Consultoria de Orçamento da Câmara. Além disso, desde 2009, foram investidos cerca de R$ 900 milhões no programa Minha Casa Minha Vida para deslocar moradores de áreas de risco.
Maria Henriqueta Arantes, integrante do grupo técnico de apoio ao FGTS, ressalta que muitas vezes a falta de prevenção por parte do governo é a origem das calamidades. Isso faz com que o trabalhador, mesmo sem ter culpa no ocorrido, precise recorrer ao FGTS para tentar remediar a situação.
Ermínia Maricato, professora da USP e especialista em urbanismo, afirma que o sofrimento dos moradores em áreas de risco se repete todos os anos pela falta de uma política efetiva do governo. Segundo ela, não falta conhecimento e planos para lidar com o problema, mas sim uma correlação de forças para enfrentar as desigualdades sociais.
Enquanto isso, o governo federal está trabalhando na construção do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, que busca mapear áreas de risco em todo o país e indicar soluções para cada órgão responsável pela prevenção de desastres. A previsão é que o plano esteja pronto para divulgação no primeiro semestre de 2024.
Enquanto isso, moradores como Cristine Balestro, de 46 anos, que também teve a casa invadida pelas águas lamacentas, estão enfrentando dificuldades para reconstruir suas vidas. Ela destaca que o valor do FGTS liberado para saque é insuficiente para cobrir os custos de reconstrução.
Nesse contexto, é importante que o governo invista em medidas preventivas e de assistência às vítimas de desastres naturais. A redução de riscos e a melhora das condições de moradia são essenciais para evitar que situações como essas se repitam a cada ano.