STF inicia julgamento da criminalização da homofobia e da transfobia

Após dois adiamentos em 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) começa nesta quarta-feira (13) o julgamento da criminalização da homofobia e da transfobia. Apesar da posição favorável de alguns ministros para tornar crime esse tipo de conduta, a tendência é que o debate não seja concluído.

É possível que haja um pedido de vista para adiar a discussão e evitar um embate com o novo Congresso Nacional e com o governo de Jair Bolsonaro.

Os processos foram apresentados ao STF em 2012 e 2013 pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas de Transgênero (ABGLT) e pelo partido PPS, respectivamente. As ações pedem que a Corte reconheça a omissão dos parlamentares em legislar sobre o assunto e determine um prazo para que deputados e senadores aprovem uma lei que criminalize atos de preconceito e violência baseados na orientação sexual ou identidade de gênero das vítimas.

De acordo com os pedidos, as condutas de discriminação de cunho homofóbico e transfóbico devem ser consideradas como um tipo de racismo ou entendidas como “atentatórias a direitos e liberdades fundamentais” e, em ambos os casos, devem ter punição legal, diz o MSN.

A criminalização do  preconceito racial foi regulamentada em 1998, com a Lei Caó (nº 7.716/1989), que regula o artigo 5º da Constituição Federal, de acordo com o qual é “inafiançável e imprescritível” o crime de racismo. Antes considerada contravenção, a prática passou a ser punida, a partir desse marco legal, com pena de reclusão de até 5 anos.

Autor das peças, o advogado Paulo Iotti considera que o Código Penal é insuficiente para proteger a população LGBT.

“A homotransfobia precisa ser criminalizada porque vivemos verdadeira ‘banalidade do mal’ homotransfóbico, no sentido de muitas pessoas se acharem detentoras de um pseudo ‘direito’ de ofender, discriminar e até mesmo agredir e matar pessoas LGBTI por sua mera orientação sexual ou identidade de gênero”, afirmou em entrevista ao HuffPost Brasil.

Estabelecer um tipo penal também pode melhorar as políticas públicas de combate a esse tipo de violência porque gera informações. Como não há crime específico, não há orientação de como registrar essas agressões nos documentos oficiais.

Canal oficial do governo, o Disque 100 recebeu 1.720 denúncias de violações de direitos de pessoas LGBT em 2017, sendo 193 homicídios. A limitação do alcance do Estado é admitida pelos próprios integrantes da administração federal, devido à subnotificação.

Por esse motivo, os levantamentos do Grupo Gay da Bahia, iniciados na década de 1980, se tornaram referência. Em 2017, a instituição contabilizou 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais mortos em crimes motivados por questões de gênero no Brasil. O número representa uma vítima a cada 19 horas.

O que pedem as ações de criminalização da homofobia

Relatado pelo ministro Celso de Mello, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, impetrada pelo PPS, aponta para as lacunas do Legislativo. O texto defende que “o legislador não aprova, mas também não rejeita, deixando este e todos os outros temas relativos à população LGBT em um verdadeiro limbo deliberativo”.

Já o mandado de injunção 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin, argumenta que os direitos à livre orientação sexual e identidade de gênero são inviabilizados pelo alto grau de violência e discriminação sofridos pela população LGBT e pela ausência de legislação penal sobre essas condutas.

Após 6 anos em tramitação, o mandado de injunção havia sido incluído na pauta do plenário do STF pelo presidente, ministro Dias Toffoli, em novembro, mas foi retirado a pedido da própria ABGLT, para que fosse julgado em conjunto com a ADO 26. A ação é considerada o instrumento mais adequado para esse tipo de pedido.

Marcado então para dezembro, o julgamento foi adiado novamente, dessa vez por decisão dos ministros. Nos bastidores, a justificativa foi de que não seria possível concluir a discussão antes do recesso do Judiciário.

A Procuradoria-Geral da República já se manifestou a favor da criminalização da LGBTfobia. Nesta quarta, Celso de Mello irá apresentar seu voto. Após a leitura, os outros magistrados se pronunciam. É possível que um deles faça um pedido de vista, o que interromperia o julgamento, sem previsão de retomada da discussão. Esse movimento pode evitar um embate com Legislativo e com o Executivo no início do novo governo.

STF x Congresso e direitos LGBT

Após eleito presidente, Jair Bolsonaro disse, em entrevista ao Jornal Nacional, que a “agressão contra um semelhante tem que ser punida na forma da lei” e que “se for por um motivo como esse (ser gay), tem que ter sua pena agravada”.

A declaração vai de encontro à postura adotada por Bolsonaro ao longo de 28 anos de mandato na Câmara dos Deputados. O ex-parlamentar chegou a dizer que, se visse dois homens se beijando na rua, bateria em ambos e que preferiria ver o filho morto do que assumindo eventual homossexualidade.

Na campanha eleitoral em 2018, ele criticou o “coitadismo” de gays ao contestar a adoção de políticas afirmativas para a comunidade LGBT.

Apesar de ser tema de projetos de lei, a criminalização da LGBTfobia nunca avançou no Legislativo. No final de 2014, o Senado Federal arquivou o projeto de lei da Câmara 122/2006, sobre o tema. Com a mesma finalidade, o projeto de lei do Senado 515/2017 aguarda para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

Uma possível interferência do Judiciário sobre o tema já provoca aversão na bancada evangélica, parte da base de Bolsonaro. No Congresso, deputados religiosos acreditam que a criminalização da LGBTfobia irá impedir pastores de pregarem contra a homossexualidade em templos religiosos. Essa opinião foi expressa por deputados como Marco Feliciano (Podemos-SP).

O parlamentar se reuniu com o presidente do STF nesta terça-feira (12). Toffoli também recebeu as deputadas do PT Maria do Rosário (RS) e Erika Kokay (DF), favoráveis à criminalização.

Também integrante da bancada evangélica, Lincoln Portela (PR-MG) reforçou a oposição ao julgamento. “Espero que o STF não decida legislar”, afirmou à reportagem.

Em uma referência ao embate entre os dois poderes, os senadores desarquivaram nesta terça-feira (12) outro tema da pauta de costumes, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 29/2015, que altera o artigo 5º da Constituição para determinar a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”, o que inviabilizaria o aborto legal.

“O projeto deve ser desarquivado, ir para as comissões temáticas, ter o debate, promover audiências públicas, colocar o País para discutir, mas não entrarmos nesse processo de avestruzamento, que é enfiar a cabeça debaixo da terra,  dizer que não vamos tomar conhecimento e depois ficarmos dizendo: “Olha, o Supremo foi lá e interpretou”, disse o senador Major Olímpio (PSL-SP).

13/02/2019

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