Sequela da COVID é maior desafio da medicina hoje, diz pesquisadora da Fiocruz

Passados 18 meses do anúncio da pandemia, inúmeros cientistas buscaram compreender a doença que colocou o mundo em quarentena e, nesse período, mais de 100 mil papers investigaram o comportamento do coronavírus SARS-CoV-2. Hoje, “o grande desafio em relação à COVID-19 são as sequelas” e, consequentemente, a COVID longa, afirma a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Margareth Maria Pretti Dalcolmo.

Durante o 2º Congresso Virtual da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), que acontece até o dia 11 de setembro, Dalcolmo apresentou o atual cenário da COVID-19 e destacou os desafios que ainda precisam ser percorridos pela ciência, incluindo perguntas que aguardam por respostas.

“O SARS-CoV-2 não desaparecerá de nossas vidas e ficará endêmico”, adianta a cientista sobre o futuro da doença. Esse cenário deve se manifestar em surtos anuais, como ocorre, no Brasil, com a dengue ou a gripe. Vale lembrar que medidas protetoras, como máscaras e a higienização das mãos, ainda são necessárias nesse estágio da doença.

Maior desafio: a COVID longa

“A COVID longa ou a síndrome pós-COVID, eu considero, hoje, o maior desafio da medicina em todo o mundo, ocidental e oriental, tendo em vista que 58% dos pacientes comprovadamente saem da doença, grave ou não grave, com algum grau de sequela”, explica a pesquisadora da Fiocruz.

Essas sequelas podem ser indeléveis [duradouras ou permanentes] — nós ainda não sabemos —, mas elas vão exigir serviços de reabilitação transdisciplinar e multidisciplinar”, entende Dalcolmo sobre o desafio. Afinal, em números do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), 20,9 milhões de brasileiros contraíram a infecção do coronavírus. Nesse cenário, o número de casos da COVID longa ainda pode estar subestimado no país.

Dentro dessas possíveis sequelas da COVID-19, podem ser enquadradas as sequelas respiratórias, como as causadas pela fibrose respiratória pulmonar, ou ainda podem ser neurológicas. Isso pode ocorrer em pacientes que relataram acidentes vasculares cerebrias (AVC) mesmo no pós-cura da doença, mas o que tiveram em decorrência do coronavírus, por exemplo.

Nesse ponto, uma recente pesquisa apontou que a COVID longa pode ter mais de 200 sintomas associados. Além disso, outro estudo, feito por pesquisadores do King’s College London, no Reino Unido, observa que a vacinação reduz as chances de desenvolver as sequelas do coronavírus. Inclusive, as vacinas — desenvolvidas em tempo recorde, respeitando as etapas clínicas — são o grande trunfo da humanidade contra a pandemia.

O que aprendemos sobre o coronavírus?

Mesmo que o futuro esteja repleto de desafios, é importante reconhecer os aprendizados dos médicos e cientistas durante os últimos meses. Por exemplo, nos primeiros momentos da pandemia, a COVID-19 foi considerada uma pneumonia atípica, mas, hoje, sabe-se que é uma doença ainda mais abrangente.

“É uma doença sistêmica, capaz de comprometer todos os órgãos do corpo humano, e eu a chamaria de bifásica. Ou seja, é uma doença caracterizada por uma resposta viral inicial muito intensa e seguida de uma resposta inflamatória com a liberação de citocinas muito tóxicas”, explica a pesquisadora da Fiocruz.

Nesse contexto, é preciso considerar que a COVID-19 pode desencadear casos de trombose, liberação de citocinas (proteínas) e a disfunção do endotélio. “Nós perdemos muitos pacientes no primeiro momento”, conta Margareth sobre a importância deste aprendizado, que passou a desconsiderar a doença como exclusivamente respiratória. É “uma doença capaz de comprometer todos os órgãos do corpo humano, através do compromisso da microcirculação não só do pulmão, mas de todos os órgãos”, detalha.

UTI e remédios contra a COVID

“Hoje, intubamos muito menos pacientes do que no início da doença, quando havia aquela modalidade de intubação precoce”, ilustra Dalcolmo sobre outro aprendizado, dessa vez, no protocolo de atendimento. “A COVID-19 é um aprendizado clínico permanente”, reforça. Além disso, é consenso que “boas práticas de terapia intensiva fazem a diferença na mortalidade”.

Isso explica por que países como a Alemanha, apesar de terem uma epidemia grave da doença, tiveram menor mortalidade. Nesses locais, “a qualidade da terapia intensiva, em termos não só de tecnologia, mas de recursos humanos, é extraordinariamente superior a de outros locais”, afirma a pesquisadora. Um desses exemplos é o Brasil, “onde tivemos uma mortalidade, uma letalidade muito constrangedora em muitos locais”.

Outro campo em que a medicina avançou, de forma significativa, foi na área das medicações. Hoje, é possível contar com soluções testadas, como antivirais (molnupiravir, remdesivir e favipiravir), anti-inflamatórios (baricitinibe) e imunobiológicos (anticorpos monoclonais), além de anticoagulantes e corticoides. Em paralelo, ainda estão em testes: a transferência de plasma convalescente; o soro equino; e a vacina BCG, como aliada das vacinas tradicionais. Neste último caso, Dalcolmo está envolvida com os testes de Fase 3 no Brasil.

Vacinas para todos

É impossível pensar no atual cenário global da COVID-19 sem mencionar o importante papel que as vacinas desempenham. De acordo com a plataforma Our World in Data, 5,56 bilhões de doses de algum imunizante foram administradas globalmente. No entanto, há o grave problema da desigualdade no acesso.

Segundo a pesquisadora, a falta de acesso igualitário pode impactar o controle global da COVID-19. “Quando o ano de 2020 terminou, 10 países já tinham comprado 85% das vacinas disponíveis no mundo”, conta a pesquisadora. Nesse cenário, países em desenvolvimento ou pobres estão bastante atrasados na imunização, principalmente no continente africano.

Apenas 1,9% das pessoas em países de baixa renda receberam pelo menos uma dose. A partir do número de doses produzidas hoje, “não seremos capazes de vacinar nem um terço da humanidade com essa desigualdade de distribuição de vacinas”, destaca Dalcolmo.

O que ainda não sabemos sobre a COVID-19

Além de entender melhor sobre os desafios que as sequelas da COVID-19 irão deixar, é preciso investigar inúmeros tópicos da doença, com maior profundidade. “Não sabemos responder com precisão porque algumas infecções evoluem para formas graves, mesmo em pessoas jovens e sem comorbidades”, menciona a pesquisadora.

Além disso, não se conhece todos os fatores de risco e nem por quanto tempo durará a imunidade, seja a desencadeada após a infecção ou após a imunização. “Em cada nova linhagem [do coronavírus], há uma pequena queda na ação protetora das vacinas. Isso é natural”, explica. Diante da multiplicação de variantes, será preciso investigar se os imunizantes em uso precisarão ser reformulados e, em caso positivo, até quando.

Nesse campo, pesquisadores brasileiros testam um imunizante turbinado a partir da variante Beta (B.1.351) do coronavírus no Brasil e reconstruída a partir da fórmula da vacina Covishield (AtraZeneca/Oxford/Fiocruz). No estudo autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), até 800 voluntários do Brasil poderão ser incluídos. Outra aposta é na vacinação heteróloga, ou seja, no uso de diferentes vacinas. Em outras palavras, o caminho ainda é longo e, muito provavelmente, incerto — até a humanidade superar a COVID-19.

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