São Francisco perdeu mais de 30 mil hectares de superfície com água

O Semiárido brasileiro é a região do Brasil mais afetada pela mudança climática. Simulações de modelos climáticos indicam possibilidade de redução de cerca de 40% das chuvas na região, ainda neste século. Na atual grande seca 2020-2021, uma das mais severas no Centro-Sul brasileiro, em pelo menos 70 anos, o Rio São Francisco tem sido crucial para minimizar a crise hídrica e energética. Todavia, a ameaça da mudança climática, desertificação e intensificação das secas colocam em questão a sustentabilidade desse manancial.

Um estudo inédito, coordenado pelo professor Humberto Barbosa, do Instituto de Ciências Atmosféricas (Icat) da Universidade Federal de Alagoas, constatou que, em 35 anos, o Rio São Francisco, maior reservatório do Nordeste, perdeu mais de 30 mil hectares de superfície com água, o que corresponde a cerca de 4% do seu volume total.

Humberto diz que, historicamente, as grandes secas estiveram mais concentradas na região do Baixo São Francisco. No entanto, de acordo com a pesquisa, há sinais de condições crescentes de seca, nas demais áreas da bacia, como é o caso do Alto e Médio São Francisco. Regiões onde estão localizadas as usinas hidrelétricas de Três Marias, Sobradinho e Luiz Gonzaga, além de importantes áreas agrícolas.

Na avaliação de secas agrícolas e hidrológicas, em toda a bacia do Rio São Francisco, ficou evidenciada uma tendência maior de ocorrerem secas na área de drenagem que abrange  as regiões do Médio e Alto São Francisco. Com a mudança climática, o aumento das temperaturas e das secas recorrentes, a tendência é de maior degradação dos solos em áreas da bacia. Com o  aumento da escassez de água, a tendência é das disputas pelo uso desse recurso. Desse modo, a avaliação dos impactos de eventos intensos de seca na citada bacia, é fundamental para desenvolver estratégias adequadas de adaptação e mitigação”, enfatizou o pesquisador.

Barbosa reforça que a pesquisa também aponta que, nas últimas décadas, a bacia tem estado mais seca e com mais falta de água nas regiões central e sul do Rio São Francisco. Para ele, essas descobertas são particularmente críticas para o período chave de irrigação, que vai de julho a agosto. Ficou também definida, pelos pesquisadores, uma metodologia inédita para avaliar o impacto das secas, na dinâmica da umidade do solo, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Segundo o pesquisador, foram avaliados os eventos de seca extrema, em termos de frequência, duração, extensão, severidade e impactos, no fluxo do rio e na umidade do solo, no período de 1980 a 2020. “Para isso, analisamos um conjunto de indicadores baseados em dados de satélites e informações coletadas in loco como, índices de precipitação, de evapotranspiração, umidade do solo, índices de severidade da seca no solo e em áreas degradadas. Descobrimos que desde os anos de 1980, esse fenômeno se tornou mais frequente e intenso na Bacia.. Ou seja, nas últimas décadas aumentou a quantidade de secas de intensidade extrema”, anunciou.

Fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Ufal e referência no mundo científico de estudos na área de desastres naturais, a exemplo das secas, Humberto Barbosa destaca que uma das contribuições da pesquisa é validar os indicadores mais adequados, para se avaliar os impactos esperados da mudança climática sobre os recursos hídricos, em áreas onde o conhecimento hídrico-climático é fundamental, como é o caso da bacia do São Francisco.

O estudo gerou um artigo científico publicado recentemente no periódico suíço Remote Sensig e, para Barbosa, essa projeção para o Lapis e para a Ufal representa a contribuição com o avanço científico, assim como, é estratégico para o desenvolvimento regional. “A pesquisa inédita,  representa um avanço no conhecimento sobre a influência da mudança climática na Bacia Hidrográfica do São Francisco, que tem papel histórico fundamental na economia do país. A água se tornou uma commodity, que vai indexar as economias, sendo preciso iniciativas de conservação desse recurso natural, como um dos maiores ativos econômicos do futuro. Nesse sentido, com uma participação ativa dos parlamentares, é possível reverter a atual conjuntura ambiental do Rio São Francisco”, opinou.

Barbosa complementa, relembrando alguns momentos históricos brasileiros, a exemplo da Constituição de 1988: “A capacidade política nós já mostramos. A Constituição de 1988, garantiu direitos socioambientais, em um momento em que ainda se falava muito pouco sobre o assunto, em todo o mundo. A ECO 92 trouxe essa discussão da sustentabilidade para o Brasil, com os primeiros movimentos ambientalistas que contou com participação política. Então, temos expectativa de que a participação do Parlamento, nos próximos anos, recupere o papel histórico de protagonismo que exerceu num passado recente.”

Pesquisa e iniciativas de proteção ambiental

Com uma extensão de 2.863 km, a vazão média do rio São Francisco é estimada em três mil metros cúbicos de água por segundo (m3/s). Nos últimos anos, toda a área do Velho Chico vem enfrentando degradação com a mudança no uso e ocupação do solo, que inclui a conversão de terras para a agricultura, em detrimento da vegetação nativa.

Os períodos secos, de acordo com o pesquisador Humberto Barbosa, são relativamente comuns no Rio São Francisco. Apesar disso, há uma crescente preocupação sobre a capacidade de esse rio responder aos eventos de secas. Isso em razão da tendência de essas secas se tornarem mais frequentes e extremas, devido aos efeitos da mudança climática.

A Bacia do São Francisco  é classificada em quatro regiões fisiográficas:  Alto São Franciscoque  corresponde à área entre a nascente do rio, no município de Medeiros, até Pirapora e Montes Claros, todos localizados em Minas Gerais. Essa região possui, aproximadamente,  702 km de extensão e representa cerca de 16% da área da bacia. O Médio São Francisco, que vai desde o município de Pirapora (MG) até o município de Remanso (BA), com aproximadamente 1.230 km. Essa região representa a maior parte da Bacia do São Francisco, cerca de 63%.

Outra região fisiográfica é o Submédio São Franciscoque se  localiza entre Pernambuco e Bahia, representa cerca de 17% da área da bacia e tem aproximadamente 440 km de extensão. A região do Baixo São Francisco, corresponde à área a partir do município de Paulo Afonso (BA) e segue até a foz do rio, entre Alagoas e Sergipe. Possui cerca de 214 km de extensão e representa cerca de 4% da bacia.

De acordo com Humberto Barbosa,  a proteção da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco  inclui monitoramento contínuo da vegetação na bacia, sobretudo nas margens do rio. Por exemplo, a Caatinga ainda não conta com um programa institucional de monitoramento de desmatamento, como o Programa Prodes, da Amazõnia, implantado desde 1988.

Outra proteção apontada,  é quanto ao cumprimento das leis ambientais para coibir ações como desmate e queimadas; valorização das comunidades ribeirinhas, que exercem um papel importante na conservação da bacia. Fomentar econegócios nas comunidades ribeirinhas, ou seja, promover a sustentabilidade com iniciativas inovadoras, que reduzam a pobreza, também é uma ação citada pelo pesquisador como outra função de proteção ao Velho Chico.

Das conclusões obtidas pelos pesquisadores, segundo Barbosa, de forma geral, o estudo mostrou que as condições de seca estavam piorando em relação à Bacia do Rio São Francisco, em termos de frequência, extensão espacial, duração e severidade, no período de 1980-2015. Todavia, dados mais recentes indicam que essas condições de secas prolongadas parecem estar sendo revertidas. “Embora seja muito cedo para indicar um declínio nas condições de seca, na bacia hidrográfica, a série temporal do nível da água no reservatório de Sobradinho mostra sinais incipientes de uma reversão das condições de seca, desde o final de 2019”, afirmou.

E destaca ainda: “A expectativa é que no final desta primavera e no início do verão, haja uma situação de chuvas favoráveis, se comparado com os dois últimos anos, quando as chuvas foram muito irregulares. E isso não é apenas por conta da volta do La Niña, mas também do aquecimento do Atlântico Sul. É possível que de dezembro de 2021 a maio de 2022, haja melhoria na situação do Rio São Francisco, com uma recarga significativa no volume dos reservatórios.”

Fortalecimento de intercâmbio

O estudo inédito,  abrangente nas quatro regiões,  segundo Barbosa, foi realizado  em cooperação  com vários pesquisadores internacionais com expertise nas diferentes áreas da pesquisa coordenada pelo Lapis da Ufal, como parte do projeto fomentado pela Capes, denominado de Projeto Capes 12/2020. Ele enfatiza que essa interação é de fundamental importância para o fortalecimento do desenvolvimento tecnológico do país e permitiu um intercâmbio técnico-científico para a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Os pesquisadores também participantes da publicação do artigo científico no periódico suíço,  são: Franklin Paredes-Trejo, Jason Giovannettone, T. V. Lakshmi Kumar, Manoj Kumar Thakur, Catarina de Oliveira Buriti e Carlos Uzcátegui-Briceño. Franklin é pós-doutor pelo projeto da Capes e Carlos é aluno de doutorado, ambos sob a orientação de Humberto Barbosa.

Para conhecer o artigo científico publicado no periódico suíço, basta acessar aqui

Mais detalhes sobre a pesquisa inédita na Bacia do São Francisco você confere aqui

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