Renan : Dura lex, sed ‘latex’

Entre as argumentações mais criativas daqueles que defendem o acerto do Supremo Tribunal Federal (STF) ao atropelar o seu ministro Marco Aurélio Melo e manter o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado está aquela segundo a qual se agiu pela preservação da harmonia entre os poderes e a manutenção da governabilidade. Concluiu-se que o afastamento de Renan, que na condição de réu por peculato não poderia figurar na linha sucessória da Presidência da República, travaria a tramitação de projetos importantes para a retomada do crescimento do País.

Pela previsão constitucional, em caso de ausência do presidente da República, o presidente da Câmara dos Deputados deve ocupar o cargo – em circunstâncias normais seria o vice-presidente da República, mas no caso atual Michel Temer já ocupa a Presidência em razão do impeachment de Dilma Rousseff; na ausência do presidente da Câmara, assume o presidente do Senado – Renan, ou quem estiver no posto no momento em que a substituição for necessária; só depois surge na linha sucessória o presidente do STF. Não existe, portanto, previsão legal para se “pular” o presidente do Senado com ele no regular exercício da função. É bizarra a decisão de manter Renan no cargo e ao mesmo tempo proibi-lo de eventualmente assumir a Presidência da República.

No acordo que manteve Renan no comando do Senado, entretanto, não prevaleceu a interpretação rigorosa da lei, mas a conveniência indicada pela circunstância. Como bem afirmou o professor Roberto Romano, no artigo “Suprema subserviência”, publicado ontem no “Estadão”, prevaleceu a “chantagem solta, pois sem a vitória de Renan surge a ameaça de não se votarem cortes orçamentários – o Supremo se coloca como trampolim para ações contrárias à cidadania que lhe paga e a quem deve servir”.

Não há que se fazer concessões em nome de um suposto “interesse nacional”. Não se defende interesse nacional algum fazendo gambiarras na Constituição e, menos ainda, cedendo a chantagens de figuras sinistras como a do senhor Renan – réu em uma ação no próprio STF e investigado em outras onze. O Brasil não pode ser um País em que o poder emana do Renan, pelo Renan e para o Renan.

O desfecho que desprestigiou o posicionamento do ministro Marco Aurélio e premiou a desobediência do chefe do Senado mostrou que, para o STF, nem sempre vale a conhecida expressão dura lex, sed lex. Fez lembrar, isso sim, a adaptação do jornalista e escritor Fernando Sabino para a mesma expressão: para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos (ou poderosos), é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica.

 

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