Mulheres relatam desafios de atuar no combate à violência doméstica

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Um homem agrediu a mulher durante dois anos, forçou os filhos dela a trabalhar e os proibiu de entrar em contato com o pai biológico. Em um acesso de raiva, bateu tanto na companheira que ela quase morreu. Um dos filhos também foi agredido e chegou ao hospital desacordado. A criança até hoje carrega traumas psicológicos.

Essa foi uma das histórias que mais marcaram a juíza Eliana Machado, titular da 3ª Vara Criminal de Rio Largo e integrante da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL). Atuando no combate à violência doméstica desde 2010, a magistrada conta que os relatos são fortes e os desafios na área, muitos.

“Infelizmente ainda há alguns [homens] que se incomodam com o fato de serem julgados por uma mulher. Quando os ouço em sede de interrogatório, também percebo, na maioria deles, a necessidade de subjugar a companheira, seja pelo medo de que ela passe a assumir a economia familiar quando ela trabalha, seja pelo fato de efetivamente acreditarem na superioridade de gênero. Uma triste realidade”, destacou.

Essa realidade também é observada diariamente pela major Danielli Assunção, que coordena a Patrulha Maria da Penha em Maceió. Uma das histórias que mais a tocaram nesses anos de trabalho foi a de uma jovem que passou o aniversário de 18 anos em um hospital, após ser baleada pelo companheiro e ficar tetraplégica.

“Foi um caso que me lembrou o da Maria da Penha. A jovem tinha 17 anos quando recebeu o tiro e ficou tetraplégica, completando seus 18 anos no hospital. Esse foi um caso muito forte pra mim. Me senti impotente. Ainda que quisesse dar proteção e amparo, eu sabia que aquela jovem estaria impossibilitada de continuar a caminhada com suas próprias pernas”.

Para a major, um dos desafios no combate à violência doméstica e familiar no estado envolve a questão do efetivo policial. “Na área de segurança pública essa é uma dificuldade. Há a necessidade de termos mais homens e mulheres na missão. Quando tivermos um efetivo maior, no lugar de entrarmos com uma ou duas guarnições 24 horas, entraremos com três ou quatro, fazendo um serviço mais ostensivo”.

Apesar das dificuldades, a policial disse se sentir privilegiada por auxiliar outras mulheres. “Tenho a certeza de que sou mais ajudada do que ajudo. Eu sonho em fazer muito mais”.

Culpabilização

Trabalhando no Juizado da Mulher de Maceió desde 2013, a psicóloga Carolina Monteiro já acompanhou muitos casos tristes. “Teve história envolvendo pornografia de vingança, que é aquela violência moral através dos meios virtuais. Teve também um caso de violência contra uma gestante e até situações de mulheres que tinham condição financeira de romper com os companheiros, mas a dependência emocional não permitia”, lembrou.

Um desafio em seu trabalho como psicóloga, conta, é quebrar o olhar de que está diante de um agressor ou suposto agressor. “É preciso entender que ali está um sujeito com história de vida, um sujeito de direitos. Devemos ter um olhar para além daquela marca de agressor”.

Em relação às vítimas, Carolina conta que muitas se sentem culpadas pela violência sofrida. Essa situação também é observada pela assistente social Monique Santos. “Logo quando comecei a trabalhar, uma mulher olhou pra mim e perguntou o que ela devia fazer pra não deixar o companheiro nervoso, pra que ele não a agredisse mais. A gente via a culpabilização muito forte daquela mulher. Muitas ainda têm a percepção de que são responsáveis pela situação”.

Desconstruir os elementos históricos ligados à violência contra a mulher é um dos desafios apontados pela assistente social. “A desigualdade entre homens e mulheres explica, de algum modo, essa violência. No sistema em que a gente vive, não há oportunidades iguais, acesso à renda de forma igual. Superar isso é difícil, mas aos poucos a gente vai reconstruindo concepções e posturas”.

Nem só de dificuldade, no entanto, vive quem atua no combate à violência doméstica. Também há recompensas. “É gratificante quando, com o nosso trabalho, a gente consegue fazer com que a mulher se veja de forma diferente, perceba a questão da violência e se posicione. Favorecer o acesso das mulheres a políticas públicas e fazer com que a Lei Maria da Penha traga impactos concretos na vida delas faz com que a gente se sinta recompensada”, disse Monique Santos.

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