Mulher estuprada por dez homens foi acariciada por suspeito dentro da viatura

Mulher estuprada por dez homens foi acariciada por suspeito dentro da viatura

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Tente visualizar a cena: dentro de uma viatura da Polícia Militar, uma mulher que acaba de ser vítima de um estupro coletivo, cometido por dez traficantes, se espreme no canto da janela do banco traseiro. Ao seu lado, dois de seus algozes. Um deles, em determinado momento, alisa a sua perna e cochicha em seu ouvido: “Fica tranquilinha. Vai dar tudo certo”. A frase, dita em tom ameaçador, foi destinada à vendedora de 34 anos que, há quatro, é vítima de sucessivos estupros cometidos por traficantes da sua região.

O último abuso aconteceu na madrugada de segunda-feira, no bairro Lagoinha, em São Gonçalo, mas até agora ela continua desamparada pelo poder público.

Após a decisão dos policiais militares de colocar vítima e acusados do crime lado a lado, a mulher contou ter passado por um constrangimento também na delegacia: o policial responsável pelo registro usou, na ocorrência, termos obscenos para descrever a agressão (veja trechos do depoimento abaixo).

Ontem, após a repercussão do caso, a Chefia da Polícia Civil determinou a redistribuição do inquérito policial à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de São Gonçalo para prosseguir nas investigações.

— Estou me sentindo completamente desamparada. Eu tinha medo de que justamente isso pudesse acontecer se eu registrasse o caso. Minha vida está devastada. Eu e minhas filhas não podemos ir para casa — comenta a vítima: — As amigas das minhas filhas foram a minha casa e encontraram tudo revirado. Tentaram levar até a minha máquina de lavar.

O termo de declaração da vítima, colhido pelo comissário Jorge Luiz Prudêncio na 74ª DP (Alcântara), traz expressões como “boquete triplo”, “não usaram camisinha, no pelo” e até a frase “só gritou porque empurraram um galho de árvore em sua bunda”. Procurado pelo EXTRA, o policial não viu problemas na linguagem utilizada no documento.

— Foi tudo feito normalmente. Os termos foi ela que falou. Terminou e eu perguntei: “É isso?”, e ela assinou. Não houve constrangimento nenhum — garantiu Jorge.

Mesmo assim, a Polícia Civil informou que foi aberto um procedimento para apurar eventual existência de infração disciplinar por parte do agente.

“Nunca procurei a polícia, porque eu tenho muito medo do tráfico. Queria preservar as minhas filhas. Não queria que isso chegasse aonde chegou. Além disso, não tinha para onde ir. Não é fácil. Durante o depoimento, fiquei muito desconcertada. Tinha acabado de acontecer tudo aquilo comigo. Estava sentindo dor e ainda muito abalada. Depois, fui para casa e me senti muito abandonada. Ontem (quinta-feira), me senti péssima. Um policial me ligou e disse que eu não tinha falado tudo no depoimento e que eu deveria voltar lá. Ele me deixou assustada. Só quero que minhas filhas possam dormir tranquilas em suas camas. Quero acabar com esse pesadelo”, X, 34 anos, vendedora, vítima do estupro coletivo.

A versão de cada um

O caso

Nos últimos quatro anos, a vendedora , de 34 anos, moradora do bairro Lagoinha, em São Gonçalo, vem sendo vítima de estupros coletivos. Desde de que um ex-namorado, espalhou entre a comunidade, um vídeo íntimo deles filmado sem o consentimento dela. Depois do episódio, traficantes do bairro, passaram a violentá-la. Já foram quatro episódios.

Segundo a corporação, na ocasião, a equipe encontrou a vítima e deu toda a atenção a ela. “Pelo fato de outras viaturas também estarem empenhadas em ocorrências e por se tratar de área de risco, a condução se deu numa única viatura, havendo atenção em relação à vítima”.

Polícia Civil

De acordo com informações da 74ª DP (Alcântara), foi instaurado um procedimento para identificar outros envolvidos no estupro. No dia do fato, dois adolescentes foram apreendidos por policiais militares e conduzidos à delegacia. A vítima foi ouvida e narrou ter sofrido abusos sexuais por quatro pessoas. O caso está sob sigilo. A Secretaria estadual de Direitos Humanos também está acompanhando o caso.

Apoio

A Comissão de Direitos Humanos da Alerj tem acompanhado a vítima e já a levou para fazer exames médicos. Ela também passará por um tratamento psicológico. Já a Defensoria Pública do Rio disse que já recebeu um pedido de ajuda e que está tomando conhecimento sobre o caso.

Processo empacado

Um impasse envolvendo diferentes instâncias judiciais manteve parado por cerca de três meses o processo referente ao estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos no Morro da Barão, na Praça Seca, Zona Oeste do Rio, em maio deste ano. A Justiça Federal tomou o caso para si, em virtude da divulgação das imagens sexuais da menor nas redes sociais, crime que foge da esfera estadual. O Tribunal de Justiça do Rio, por sua vez, alegava que ao menos o processo referente ao estupro seria, sim, de sua competência.

Coube ao Superior Tribunal de Justiça, no último dia 4, dar fim ao impasse, desmembrando o processo de acordo com as atribuições de cada órgão. Assim, são réus na 2ª Vara Criminal de Jacarepaguá, pelo crime de estupro, Raí de Souza e Raphael Assis Duarte Belo, que cumprem prisão preventiva, e Moisés Camilo Lucena, atualmente foragido.

Leia a nota da Polícia Civil na íntegra:

“De acordo com informações da 74ª Delegacia de Polícia – Alcântara, foi instaurado um procedimento para identificar outros envolvidos em um estupro sofrido por uma senhora, de 34 anos, no dia 17 de outubro em São Gonçalo. No dia do fato, dois adolescentes foram apreendidos por policiais militares e conduzidos à delegacia. A vítima foi ouvida e narrou ter sofrido abusos sexuais por quatro pessoas, dentre elas, os dois adolescentes apreendidos. O Delegado Plantonista, após análise das provas, decidiu pela apreensão dos menores pela prática do ato infracional análogo ao crime de estupro. O caso está sob sigilo. A Secretaria Estadual de Direitos Humanos também está acompanhando o caso.

A Divisão Policial de Atendimento à Mulher (DPAM) informou que as Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAMs) realizam atendimento 24 horas por dia, contudo, a apreciação de ocorrências em estado flagrancial, após o horário de expediente, é feito pelas Centrais de Flagrante responsáveis pela região onde ocorreu o crime. A DPAM esclareceu que, em razão da atribuição para investigação nestes casos ser concorrente, pode ser feita a apreciação do fato, bem como consequente instauração e instrução do inquérito policial tanto nas DEAMs como na delegacia distrital responsável pela circunscrição.

A Polícia Civil esclarece que, visando superar as limitações orçamentárias quanto à ampliação de delegacias especializadas no atendimento à mulher em todos os municípios do Estado, implantou os Núcleos de Atendimento à Mulher – NUAM com o objetivo de garantir este atendimento especializado. Hoje já existem 19 unidades inauguradas, mas, por enquanto, não há NUAM instalado na 74ª DP.

A Instituição tem investido na capacitação de seus policiais no atendimento à sociedade, em especial, às mulheres vítimas de violência física, sexual e psicológica. A capacitação é realizada tanto durante o curso de formação realizado pela Academia de Polícia Sylvio Terra, bem como em cursos posteriores de aperfeiçoamento. Recentemente, a Central de Atendimento ao Cidadão (CAC) realizou um diagnóstico e, por isso, policiais civis foram submetidos a curso de requalificação no atendimento ministrado na Academia da Polícia Civil. Durante o curso, os policiais participaram de um workshop sob orientação de uma psicóloga, dentre outros temas, quanto à qualidade no atendimento.

Foi também criado recentemente um protocolo de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual. De acordo com esta nova rotina, deverá ser feito um atendimento humanizado à vítima, proporcionando-a condições necessárias para que ela possa comunicar a violência sofrida.

Logo no início, o policial deverá informar à vítima sobre o procedimento e que as perguntas a serem realizadas servirão para ajudar na investigação, de modo a evitar a revitimização com novo depoimento, salvo quando o mesmo for estritamente necessário.

Após a vítima ser ouvida e feito o registro de ocorrência, ela receberá orientação sobre a importância do exame de corpo de delito, a necessidade de ser realizada profilaxia em hospital mais próximo recomendada para casos de estupro, recebendo inclusive informações sobre o aborto (no caso de gestação decorrente do estupro), direito ao abrigamento, possibilidade de encaminhamento ao centro de atendimento à mulher para acompanhamento psicossocial e o encaminhamento à Defensoria Pública.

A Polícia Civil destaca que, diante de eventual descumprimento do protocolo de atendimento acima narrado e da conduta do policial civil veiculada pela imprensa, o Delegado Titular da 74ª Delegacia de Polícia instaurou procedimento para apurar a ocorrência de infração disciplinar. A Chefia da Polícia Civil determinou a redistribuição do inquérito policial à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM) de São Gonçalo para prosseguir nas investigações e colocou à disposição, para prestar todo o apoio necessário, o 4º Departamento de Polícia de Area (DPA) e do Departamento Geral de Polícia do Interior (DGPI).”

Leia a nota da Polícia Militar na integra

“A Polícia Militar informa que a guarnição do 7º BPM (São Gonçalo) foi acionada no início da madrugada de segunda-feira (17/10) e de imediato atendeu essa ocorrência grave. A equipe encontrou a vítima e deu toda a atenção à mesma. Posteriormente, os policiais viram duas pessoas em atitude suspeita, sendo reconhecidos pela vítima de terem participado deste crime cruel. Os suspeitos tentaram fugir ao avistar a viatura, todavia a guarnição conseguiu prendê-los.

A primeira preocupação da guarnição foi auxiliar a vítima, ajudando-a a se recompor. Os policiais conduziram os acusados para a delegacia e a vítima para avaliação médica, na qual foi constatado o crime, sendo então levada para fazer o registro.

Na ocasião da ocorrência, pelo fato de outras viaturas também estarem empenhadas em ocorrências e por se tratar de área de risco, a condução se deu numa única viatura, havendo atenção em relação à vítima. A ação da PM foi fundamental para que acusados de envolvimento neste crime fossem presos.”

globo

22/10/2016

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