Crise na Argentina: por que é preciso ir a 3 supermercados para comprar um produto

Fazer compras em mercados na Argentina se tornou uma tarefa restritiva e complexa para muita gente. Cerca de 95% dos argentinos disseram recentemente que vão limitar suas compras por causa da crise econômica, segundo o Trendsity, um centro de estudos de tendências.

Diretora desse instituto, a psicóloga Mariela Mociulsky afirma que “a necessidade de regular o consumo à base de promoções pode gerar a ilusão da compra inteligente”, além de frustrações com a perda de tempo gerada pela procura pelo melhor preço.

Segundo esse estudo, cada vez mais argentinos têm optado por realizar suas compras da semana ou do mês em três ou quatro lugares diferentes.

Cerca de 90% dos argentinos dizem que contam com os mecanismos de promoção oferecidos pelos comércios ao fazer compras. É o dobro do que ocorre nos Estados Unidos, país pioneiro em ofertas promocionais.

O formato das promoções em lojas e supermercados sofreu variações que beiram os limites da criatividade: o comércio oferece 70% de desconto no segundo produto, brindes, dois por um, longos parcelamentos sem juros, e por aí vai.

Como a Argentina sofreu inflação alta durante a maior parte dos últimos 30 anos, desenvolveu-se uma forte cultura de promoções e liquidações.

“Dedicar tempo e esforço para encontrar o preço mais barato já é uma fonte de angústia”, explicou Mociulsky à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

‘Ilusão de classe média’

Segundo a psicóloga, a maioria dos argentinos qualificam a si mesmos como de classe média, independentemente de serem de classe alta ou baixa.

“Isso faz com que os níveis de consumo da população sejam relativamente altos”, diz.

Ainda que a Argentina tenha tido uma grande classe média no século 20, a pobreza e a desigualdade aumentaram durante as últimas quatro décadas, impulsionadas pela inflação, desvalorização da moeda local e incertezas econômicas.

A ilusão de ser de classe média, no entanto, se mantém. E com ela vem a vontade de não perder alguns costumes, ainda que eles sejam mantidos por meio da busca por preços promocionais.

Mas a ideia de estar se aproveitando de uma oportunidade única gera a ilusão de que aquela compra vale à pena. Seria a ilusão de ter feito “uma compra inteligente”, nas palavras de Mociulsky.

A raiz do problema

O governo do presidente Mauricio Macri vem testando várias estratégias para conter a angústia da população.

No mês passado, ele fez um anúncio da sala da casa de uma vizinha, em Buenos Aires, que havia votado nele, mas estava descontente.

“Vamos gerar alívio a curto prazo”, disse Macri sobre um esquema de controle de preços para produtos básicos.

A imprensa argentina noticiou que comerciantes e supermercados reajustaram os preços dos produtos antes que fossem congelados, uma prática similar a que ocorre às vésperas de grandes descontos como o Black Friday.

“Sim, subimos os preços, mas não para reagir ao congelamento anunciado pelo governo, mas porque já havíamos planejado isso há meses”, disse à BBC News Mundo o gerente de uma multinacional do setor de alimentos que contabiliza perdas há anos em sua operação na Argentina.

“Os preços aumentam por causa do impacto da inflação, não porque há um complô”, defende.

Macri também tentou acabar com truques para enganar o consumidor, como o das “pequenas letrinhas” que acompanham as promoções e estabelecem os “termos e condições” daquela compra. Difíceis de ler, essas linhas podem esconder informações que tornam a compra desvantajosa.

A ideia do governo era obrigar as empresas a fornecer todas as informações na internet, de maneira clara e didática. Mas, segundo especialistas do setor, as práticas enganosas continuam a ser adotadas na Argentina.

E enquanto não houver solução para a inflação, comprar naquele país continuará sendo um exercício de paciência e dedicação.

13/05/2019

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