A nova cara do Supremo

Pouco afeita a negociações políticas, a legalista e caxias Cármem Lúcia assume a presidência do STF com a promessa de unir o Judiciário

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No ano em que completa uma década como ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia Antunes Rocha, 62, entrará para a história da Corte, a partir de segunda-feira 12, como a segunda mulher a presidi-la. Mineira nascida em Montes Claros e criada em Espinosa, a ministra chama a atenção pelas frases de efeito que costuma proferir nos julgamentos, apesar de manter discrição fora deles. Sua sabatina no Senado, em 2006, foi marcada pela máxima “Justiça que tarda, falha”. Na época, longe de ser interpelada com capciosas questões pelos senadores, a então procuradora do Estado de Minas Gerais teve suas competências exaltadas. Ela garante, porém, que nem sempre a vida de juíza foi fácil. “Tenho de trabalhar dobrado para chegar ao mesmo lugar dos homens”, disse Cármen, na época em que presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Mais recentemente, ao votar com a maioria no julgamento que determinou a prisão do então senador petista Delcídio do Amaral (MS), em novembro de 2015, a ministra encantou a todos com a leitura de um voto magistral. “Houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou no mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 [do mensalão] e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora, parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a Justiça”, lançou Cármen Lúcia, diante das evidências de que Delcídio tentara interferir nas investigações da Lava Jato, oferecendo dinheiro e até um plano de fuga ao ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Delcídio ainda acusava ministros do STF de corroborarem com suas ações. A declaração repercutiu ainda mais pelo fato de a ministra ter sido indicada ao cargo pelo ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

A futura presidente do STF devolve o valor das diárias
recebidas em viagens e faz questão de dirigir o próprio carro

Como se nota, Carminha, como as irmãs a chamam, é uma ministra “combativa” e “linha dura” no trato com políticos corruptos. Talvez por isso ela afirme nunca ter sido procurada por nenhuma parte interessada para negociar seu voto em troca de dinheiro ou privilégios. Este ano, votou a favor da prisão de réus condenados em segunda instância, que atinge diretamente os envolvidos na Lava Jato sem foro privilegiado. Para o colega e atual presidente do TSE, Gilmar Mendes, a eleição de Cármen representa “uma luz nesse momento obscuro que a gente está passando”. Católica, estudou em instituições de ensino religioso até o ensino superior, que cursou na Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Sua fé, entretanto, não influenciou em votações históricas. A ministra defendeu, com sucesso, a liberação do aborto de anencéfalos, a autorização para pesquisas científicas com células-tronco e a união estável entre homossexuais, com direito a adoção de crianças.

Legalista e caxias no trato com a coisa pública, a magistrada destoa da maioria de seus colegas ao devolver, rigorosamente, as diárias recebidas por viagens ao exterior. Econômica, faz questão de dirigir seu próprio carro – um Astra – até o tribunal. Com o avanço da tecnologia, adotou como prática a realização de audiências virtuais com advogados e partes, para reduzir custos. Não raras, também, foram as alfinetadas ao atual presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ricardo Lewandowski, por adotar uma postura demasiadamente corporativista em defesa de reajustes salariais, em meio à crise econômica que atinge o País. É reconhecida, ademais, pelo intenso ritmo de trabalho imposto a quem a cerca. Ao se despedir da 2ª Turma, na última semana, chegou a brincar dizendo que preferia processos a festas. “Não tenho a mesma tranquilidade para algumas funções do cargo de ministro do Supremo, porque não gosto muito de festa, nada disso. Eu gosto de processo. Hoje, sei porque fui advogada de audiência. Eu gosto mesmo disso aqui”, afirmou.

Na posse, a ministra quebrará o protocolo do Supremo e não haverá a tradicional festa de recepção aos convidados, bancada por associações de magistrados em todas as posses de ministros da Corte. Ao agradecer a seus pares pela homenagem, a ministra defendeu a união do Poder Judiciário. “O Supremo é um só. O Poder Judiciário no Brasil tem que voltar a ser um só, hoje são vários. Juntos, somos muito mais”, concluiu.

OS DESAFIOS DE CÀRMEN LÚCIA

Prisão em segunda instância
Mesmo tendo votado favorável à execução da pena com condenação em segunda instância, Cármen Lúcia terá que pautar a ação que coloca em xeque esse posicionamento tomado pelo Supremo

Aborto em casos de zika
A corte, que já autorizou o aborto de anencéfalos, vai discutir o aborto no caso de fetos com vírus da zika, que causam microcefalia.

Renan Calheiros
Caberá ao plenário analisar a denúncia contra Renan Calheiros por crimes de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso por supostamente ter recebido propina da Mendes Júnior

istoé

11/09/16

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