À espera do impeachment

Empresários aguardam o afastamento definitivo de Dilma Rousseff   para retomar investimentos, um dos motores da economia em 2017

(Da esq. à dir.): Flávio Rocha, da Riachuelo, Benjamim Steinbruch, da CSN, Marco Stefanini, da Stefani, e Abilio Diniz, sócio do Carrefour e da BRF
(Da esq. à dir.): Flávio Rocha, da Riachuelo, Benjamim Steinbruch, da CSN, Marco Stefanini, da Stefani, e Abilio Diniz, sócio do Carrefour e da BRF

Nos últimos dois anos, a rotina do empresário Benjamin Steinbruch, presidente da siderúrgica CSN, tem sido, no mínimo, desafiadora. Não bastassem a retração do mercado, a queda na demanda pelas commodities e as incontáveis brigas com os sócios pelo controle da Usiminas, a CSN não consegue fechar o balanço no azul. Desde o primeiro trimestre de 2015, os resultados têm sido desanimadores – a exceção foi o lucro obtido no quarto trimestre do ano passado que se deu por conta da transferência de parte dos ativos da mineradora para a Congonhas Minérios, o que encerrou pendências antigas com sócios asiáticos na mineradora Namisa e turbinou os números. O cenário nebuloso, no entanto, está ficando para trás. Na visão de Steinbruch, a CSN voltará ao lucro no segundo semestre deste ano. O otimismo advém das perspectivas de uma elevação do consumo, do aumento no preço das commodities, incluindo o minério de ferro, e, principalmente, do fim da instabilidade política com a confirmação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. “As coisas vão melhorar com a resolução política no curtíssimo prazo e a recuperação das condições de mercado”, disse Steinbruch em conferência, na segunda-feira 15. E o mais importante: os investimentos serão retomados.

A CSN já anunciou que irá religar o seu alto-forno número dois, localizado na cidade carioca de Volta Redonda, até o final do ano. Além disso, a siderúrgica está investindo R$ 473 milhões em um novo forno, na cidade de Arcos, em Minas Gerais, cuja produção será iniciada nos próximos meses. “A CSN tem um histórico de reagir muito rápido às mudanças de mercado”, afirmou Steinbruch. Essa animação com a estabilidade política e com a consequente recuperação econômica não é uma exclusividade do setor siderúrgico. Desde o início do ano, quando cresceu a probabilidade de aprovação do impeachment de Dilma, todos os indicadores de confiança passaram a subir. Na terça-feira 16, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou que, pela primeira vez desde março de 2014, o índice empresarial rompeu os 50 pontos. Essa barreira, que separa o pessimismo do otimismo, é o primeiro ingrediente para a retomada dos investimentos. “A indústria já está tirando os projetos de investimentos da gaveta e começando a olhar quais são as oportunidades mais interessantes”, diz Robson Braga de Andrade, presidente da CNI.

Aguardar a conclusão do impeachment para anunciar projetos é uma realidade para inúmeras empresas que não querem se arriscar num ambiente político instável. A Stefanini, que atua no setor de tecnologia, é um exemplo concreto. CEO e fundador da companhia, Marco Stefanini salienta que há uma sensível melhora no humor e um cenário mais propício ao reaquecimento do mercado. Uma frase específica, diz ele, tem sido recorrente nas conversas com empresários: “Me conta uma boa notícia que eu estou louco para destravar meus investimentos.” Apesar de ressaltar que os planos da empresa são de longo prazo e independem do momento econômico, Stefanini admite que retomou algumas iniciativas até então arquivadas. Em setembro, a empresa inaugura um laboratório de inovação em São Paulo. Dois meses depois, outra unidade entrará em operação nos Estados Unidos. As duas iniciativas integram um plano de investimentos de R$ 80 milhões em inovação para 2016, e são parte da estratégia da companhia para impulsionar a adoção de conceitos como a internet das coisas, que pressupõe a conexão em rede de equipamentos diversos, desde utilidades domésticas até máquinas industriais, em setores como óleo e gás, manufatura, bancos e varejo. “Nós vínhamos segurando esses projetos”, diz o empresário. “Até pouco tempo, não havia abertura nos clientes para falar e investir em inovação.”

O otimismo está tomando conta das empresas e a lista de setores produtivos que preveem uma melhora na economia não para de crescer. Na prática, os empresários estão prontos para pôr a mão no bolso assim que o Senado Federal finalizar a votação do afastamento definitivo de Dilma, o que deve ocorrer até 31 de agosto. “Na hora em que os empresários tiverem confiança na estabilidade política e econômica, os investimentos serão destravados, inclusive os de fora, que estão loucos para entrar no País”, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo o empresário Abilio Diniz, presidente do conselho da BRF e sócio do Carrefour. A turbulência política também tem sido acompanhada atentamente pelas multinacionais, que só querem assinar um cheque quando tiverem a certeza de que o presidente Michel Temer deixará de ser interino. “O impeachment vai ser o fator decisivo para a retomada dos investimentos, um verdadeiro divisor de águas”, diz Marcelo Ramos, presidente da Axway na América Latina, que atua em tecnologia da informação. O executivo envia diariamente relatórios para a sua matriz, nos Estados Unidos, sobre tudo o que acontece em Brasília. Nas últimas semanas, segundo ele, os negócios começaram a esquentar diante da iminente votação. “Temos clientes em diversos setores que já estão nos chamando para novos projetos de inovação.”

Os especialistas acreditam que o fim da crise política irá melhorar a imagem do Brasil no exterior e reduzir o chamado risco-país. Com isso, bilhões de dólares que estão parados mundo afora à espera de alguma rentabilidade buscarão oportunidades por aqui. Uma prova disso é a valorização de quase 40% da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) desde o início do ano. Sempre tentando antecipar tendências, os investidores com apetite ao risco voltaram a comprar ações na expectativa de que os lucros das empresas crescerão junto com a recuperação econômica.

É justamente esse olhar mais favorável ao mercado brasileiro que levou a Lactalis, uma das maiores companhias de lácteos do mundo, a pisar no acelerador. A empresa, que comprou o setor de lácteos da BRF em 2014 por R$ 1,8 bilhão e tem o controle de marcas como Batavo e Parmalat, mudará o seu perfil conservador e partirá para a briga. Ela está colocando no ar uma intensa campanha para promover a marca de queijos Presidente, antes direcionada apenas aos públicos mais sofisticados, consumidores de brie e roquefort. A marca passará a oferecer, também, opções mais populares, como a mussarela e o prato. “Faremos uma campanha pesada de marketing para tornar a Presidente conhecida”, afirma Guilherme Portella, diretor institucional da companhia no País. “Existe uma confiança, ainda que tímida, de que o cenário está mudando.”

A postura mais agressiva do empresariado neste momento faz todo o sentido, na avaliação do diretor de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, Octavio de Barros. “O Brasil vive um certo custo da interinidade e  esse custo será substancialmente reduzido a partir da definição política”, diz o economista, ressaltando que está no horizonte uma recuperação cíclica após dois anos seguidos de retração do PIB. “Por mais surpreendente que possa parecer, a retomada da atividade virá mais pelo investimento do que pelo consumo. Há muitos setores investindo em máquinas com a visão de que a ociosidade atual será rapidamente reduzida.” O Bradesco projeta uma alta de 1,5% do PIB em 2017 e de 3% em 2018. A previsão está muito próxima da que foi anunciada pelo governo federal. Na quarta-feira 17, o Ministério da Fazenda revisou de 1,2% para 1,6% a estimativa de expansão da economia no ano que vem. “A atividade econômica terá um desempenho muito melhor no segundo semestre deste ano, do que no primeiro”, disse Carlos Hamilton, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “No cenário base, teremos já crescimento do PIB no quarto trimestre de 2016, na comparação com o terceiro. Uma taxa positiva. Não descartaria a hipótese de que isso ocorra no terceiro trimestre.” A expectativa dos empresários é de que essa recuperação econômica afaste o risco de aumento de impostos.

EXPORTAÇÕES

Embora 2016 ainda seja um ano de forte retração do PIB, há boas notícias vindas do comércio exterior. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta um superávit comercial de US$ 46,9 bilhões neste ano, recorde histórico. É verdade que o desempenho favorável decorre de uma forte queda das importações, fruto da grave recessão. Porém, há uma tendência de recuperação das exportações, o que tem atraído a atenção de muitas companhias brasileiras, como a Braskem, principal produtora de resinas das Américas. A empresa acabou de inaugurar um complexo petroquímico no México que custou US$ 5,2 bilhões aos seus cofres. Com a queda no consumo do Brasil, a companhia passou a exportar boa parte de sua produção local. Hoje, 51% do seu faturamento vêm do mercado externo. “Não tivemos diminuição na produção por conta dessa estratégia de internacionalização”, afirma Fernando Musa, presidente da Braskem. Agora, o mercado local voltou ao radar e projetos engavetados podem retornar à pauta. “Dependemos de matéria-prima competitiva e uma alta mais firme do consumo, então estamos contando com a volta da exploração do pré-sal”, diz Musa. “Com isso, vemos espaço para a construção de novos polos petroquímicos no País.” Este ano, a petroquímica planeja investir no País R$ 700 milhões. Porém, voos mais altos dependem de uma sinalização mais firme da economia brasileira e, principalmente, da combalida Petrobras.

Até mesmo as empresas voltadas ao consumo interno, que ao lado do desemprego foi a última variável a mergulhar na crise, já enxergam oportunidades diante do desanuviamento do cenário político. “Não tinha mais como ficar do jeito que estava”, diz Sonia Hess, fundadora da Dudalina. “Eu vejo que estamos voltando à hora de investir.” Um dos mais otimistas é o empresário Flávio Rocha, presidente do grupo Guararapes, controlador da rede Riachuelo, que no primeiro semestre teve receita de R$ 2,67 bilhões, alta de 10,4% em relação ao mesmo período de 2015. Primeiro empresário a apoiar o impeachment, Rocha avalia que 2017 será o ano da recuperação. “Há um investimento represado que será retomado no próximo ano”, diz ele. “Em 2014, inauguramos 45 lojas, em 2015, foram 35, e, neste ano, serão sete ou oito. Em 2017, vamos investir como em 2015.”

Quem também está acelerando a abertura de lojas é a Raia Drogasil, maior varejista farmacêutica do País, com faturamento de R$ 9,4 bilhões no ano passado e 1,3 mil pontos de venda. Acostumada a inaugurar 130 unidades por ano, a empresa ampliou, e muito, a sua meta. Ainda em 2016, serão 200 lojas inauguradas e o número deve se repetir para os próximos anos, segundo o presidente da companhia, Marcílio Pousada. O envelhecimento da população ajudou o varejo farmacêutico a passar pela crise sem grandes percalços.  O setor foi o que menos sofreu nos anos de recessão. No ano passado, o segmento foi o único do comércio que apresentou crescimento. Apesar disso, Pousada torce pela retomada geral na economia. “Mesmo que nosso mercado esteja indo bem individualmente, precisamos que o nosso consumidor esteja feliz e com dinheiro no bolso”, diz o executivo.

Apesar do clima de otimismo, todos os empresários e investidores sabem e cobram do governo Temer medidas para melhorar as contas públicas. “Definido o cenário, vamos precisar das reformas para diminuir o tamanho do Estado”, diz Carlos Tilkian, CEO da Estrela. Na segunda-feira 15, durante premiação da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), a DINHEIRO ouviu 10 especialistas sobre a prioridade de Temer após o impeachment e constatou que a maior preocupação é realmente com as reformas (leia reportagem na pág. 26). Nesse contexto, angariar apoio político para promover essas mudanças, algumas delas antigas demandas do empresariado, é o grande desafio do novo presidente. “A reforma da previdência é uma delas”, diz Rocha, do grupo Guararapes. Um de seus temores é a pressão de grupos para que Temer não defenda medidas impopulares. As benesses dadas durante as negociações de dívida com os Estados e o funcionalismo público deixaram um sinal de incerteza no ar. “Temo as sinalizações de sensibilidade do presidente em relação a grupos de pressão, como o aumento dos salários do judiciário e a renegociação das dívidas dos estados”, diz Rocha. “Esses grupos de pressão são como tubarões cheirando sangue.”

Temer tem uma base governista numerosa, mas instável, no Congresso Nacional, e uma equipe econômica muito elogiada pelo mercado. Líder da tropa, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem se mostrado um hábil equilibrista nos temas econômicos e políticos (leia reportagem na pág. 28). Apesar das incertezas provocadas por parlamentares que muitas vezes jogam para a torcida, sem nenhum compromisso com a sustentabilidade fiscal, há a convicção por parte de empresários e analistas de que o momento das reformas finalmente chegou. Todos reconhecem que a pressão das centrais sindicais será grande, mas não suficiente para inviabilizar a aprovação de temas espinhosos, como a reforma da Previdência Social e trabalhista. Aliás, esses itens constam de uma lista de anseios do setor produtivo para voltar a investir, que inclui itens como a estabilidade cambial, a queda dos juros e a privatização de estatais

Crises à parte, quando se colocam numa balança riscos e oportunidades de se investir no Brasil, os empresários dizem que o peso maior acaba sendo favorável ao País. É o caso da francesa Saint-Gobain, que está no mercado brasileiro há 80 anos e já vivenciou de tudo na economia e na política, da ditadura à hiperinflação, do confisco do Plano Collor à atual crise fiscal. “Estamos bem perto da saída do túnel da crise e já começamos a perceber os mercados borbulhando”, diz Thierry Fournier, presidente da Saint-Gobain no Brasil. “Não paramos de investir e estamos preparados para a retomada do mercado que virá com força após a conclusão do impeachment.” Esse sentimento é crescente no setor produtivo e no mercado financeiro. O ponta pé inicial está com os senadores.

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“A indústria já está tirando os projetos da gaveta”

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, está otimista em relação ao futuro do País. Na quinta-feira 18, em almoço com 80 empresários associados à Câmara de Comércio França-Brasil (CCFB), em São Paulo, Andrade destacou que a melhoria do cenário político, a partir do provável impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, vai destravar investimentos. Acompanhe sua entrevista à DINHEIRO.

Sim, o principal é que a crise política está acabando. Há muito mais harmonia na relação entre Congresso e Executivo, e os problemas são tratados de uma maneira mais equilibrada. Isso gera condições para que as questões econômicas sejam resolvidas, gerando mais confiança na retomada de crescimento do Brasil.

Os investidores estão de olho em quais áreas?
O Brasil oferece muitas oportunidades tanto no mercado interno quanto nas exportações e nos investimentos em infraestrutura. Dificilmente você encontrará um País com tantas opções. Precisamos dar aos investidores a segurança jurídica necessária para eles investirem e ganharem dinheiro.

Mas os empresários ainda olham com cautela para um governo interino. Concretizado o impeachment, os investimentos nas indústrias serão destravados?

A indústria já está tirando os projetos de investimentos da gaveta e começando a olhar quais são as oportunidades mais interessantes. Já existe uma vontade do empresário e do empreendedor de investir. É verdade que todos ficam na expectativa da conclusão do impeachment, mas a cada dia que passa há mais certeza de que essa é uma condição sem volta.

O Congresso vai cumprir o seu papel e aprovar as reformas estruturais?
Tudo depende de uma evolução e de uma maturação. Conversar sobre reformas da previdência e trabalhista dez anos atrás não tinha muito apelo. Hoje essas mudanças têm muito mais apelo na sociedade. Acho que o Brasil vai caminhar para efetivar essas reformas estruturais.

Qual é a reforma prioritária?
É a trabalhista, incluindo a regulamentação da terceirização e a prevalência do negociado sobre o legislado.

istoé

28/08/16

 

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