Não-candidato, João Doria faz campanha em reduto do lulismo

Na ponta da língua de empresários e políticos em Natal, no Rio Grande do Norte, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), virou “o João Trabalhador”, “o que vai mudar o Brasil em 2018” e “a esperança do país”.

A cidade entrou na quarta-feira (16) na rota da incursão que o tucano começou na semana passada e que continua pelo Nordeste – reduto do ex-presidente Lula e onde, sob gritos de “é o nosso presidente” emergindo de plateias engravatadas, jura que não se apresenta como candidato à Presidência da República, diz o Terra.

“Mas está em campanha. Em início de gestão e com problemas a resolver em São Paulo, percorrer o Brasil, com homenagens aqui e ali, não pode ser visto de outra forma”, diz o cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Cláudio Couto.

Ele faz alusão a títulos de cidadania e outras homenagens que o peessedebista tem recebido. As mais recentes, em território nordestino.

Doria foi alvo de protesto em Salvador na semana passada e chegou a ser atingido por um de uma chuva de ovos contra ele. Mas não declinou: virou cidadão soteropolitano.

Na quarta-feira, foi a vez de se tornar cidadão natalense. Em Recife, na sexta-feira (18), será homenageado por empresários. No mesmo dia, deve passar por Fortaleza, e a previsão é que também inclua Campina Grande no roteiro.

A agenda de viagens foi intensificada na mesma semana em que Lula inicia uma caravana de ônibus pelos nove Estados da região, com ponto de partida nesta quinta-feira, na Bahia, e de encerramento no Maranhão, em 5 de setembro.

Doria desconversa sobre um possível caráter eleitoreiro de sua peregrinação. “Não é hora para campanha”, diz. “Eu não sou candidato e não me apresento aqui como candidato. Venho como prefeito da cidade de São Paulo. É cedo para se falar em candidatura”.

Em discurso, no entanto, bradou que a esquerda “não é a salvação do Brasil” e que no país “não tem oportunidade para a bandeira vermelha”.

Ele “não se furta também de comentar”: “Lula já fez mal demasiadamente ao país. Não está na hora de voltar e, se voltar, que seja derrotado”.

Não é, porém, no ex-presidente que precisa mirar, neste momento, para se oficializar na corrida presidencial. O desafio é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também cotado como “o nome” do PSDB.

Para o cientista político e professor do Insper, Carlos Melo, esse é um dos “obstáculos” que ele não conseguiu, ainda, transpor nesse processo. Ele aponta outros dois que torna a possibilidade de candidatura de Doria incerta:

“Falta demonstrar efetividade de gestão em São Paulo e o que ele está tentando fazer é passar a ser conhecido e aceito em território nacional. Então, enquanto a gente não tiver esses três elementos, podemos dizer que é uma luta, um desafio”.

Doria cita Alckmin como “homem de bem, correto e brilhante governador”. Ele o descreve como “parceiro e amigo”, ressaltando que “tem motivos de sobra para preservar essa relação” e que não há qualquer impasse no partido, uma vez que não está se apresentando como candidato.

Vice

Não é o que apoiadores e críticos pensam. Presidente da Riachuelo, rede varejista de moda com quase 300 lojas no Brasil, o empresário Flávio Rocha abriu as portas do teatro que mantém em Natal para que o prefeito recebesse o título de cidadão natalense na quarta-feira. E não escondeu a empolgação com o futuro político do “amigo”.

“Natal não podia ficar alheia a esse movimento transformador e se inclui no clamor que está sendo ouvido nos quatro cantos do país”, disse, em discurso, acrescentando: “Vamos mudar o Brasil em 2018 e (este processo se) acelera com João Doria, o João Trabalhador”.

Momentos antes, o empresário teve o nome apontado em outro discurso como possível vice numa eventual chapa de Doria. “Quem concordar, dê uma salva de palmas”, disse o empresário Paulo Gallindo, ao destacar no palco do teatro “as contribuições” da dupla para a economia de Natal.

Há cerca de 30 anos, enquanto presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), o atual prefeito de São Paulo abriu caminho para que Natal iniciasse a participação em feiras turísticas internacionais e fomentou uma linha de crédito que ajudou a tirar do papel hotéis, bares, restaurantes e obras de infraestrutura para o setor. Nesse período, Rocha – que opera em Natal a principal fábrica de roupas do grupo – foi homenageado na cidade junto a Dória.

Trinta anos depois, o empresário, que já foi deputado federal e também recebeu uma comenda da Câmara de Natal, desconversou sobre a possibilidade de entrar numa eventual chapa.

“Não temos projeto político”, diz, sem confirmar, nem negar as chances de isso ocorrer no futuro. “Temos perfis muito parecidos. Eu acho que estrategicamente não é a chapa que traga complementaridade”, frisou.

O cientista político Cláudio Couto também vê semelhanças de perfil, mas não acha a composição absurda. “São dois candidatos com o discurso fortemente conservador, fortemente contrário à esquerda, com a defesa de que o mercado resolve praticamente todos os problemas”, observa.

E vai além: “Seria uma chapa convincente, além do que seria um chapa com um candidato do Nordeste, Flávio Rocha, e com um candidato paulista que se apresenta como filho de baiano. É uma chapa que do ponto de vista da estratégia eleitoral faz sentido”.

Ex-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Norte, o empresário Sílvio Bezerra esteve na solenidade “para conhecer o futuro presidente do Brasil” e disse torcer para que surjam mais políticos com o discurso de “Estado menor e incentivo para que a iniciativa privada possa trabalhar” – típico de Doria-Rocha.

Protesto

A opinião não é unânime. Fora do teatro, cerca de 60 manifestantes gritavam “Fora Doria” e “você não nos representa”, em protesto contra a homenagem ao paulista e a ações que ele promoveu relacionadas a moradores de rua em São Paulo.

Empunhando um cartaz que estampava “Não ao racismo e guerra aos pobres. Doria nunca!”, a professora do departamento de Letras e Literaturas Estrangeiras Modernas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Sandra Erickson Belém, avalia que “se ele se candidatar a presidente será uma infâmia para o país, um atraso sem precedentes para os direitos humanos”.

O coordenador do Movimento População de Rua, Vanilson Torres, concorda: “Ele está viajando pelo Brasil para tentar uma possível candidatura, mas o Brasil não é tolo, e a maioria da população diz que ele não nos representa”.

“A Câmara”, na opinião de Torres, “tem de criar políticas públicas para a população de rua ou homenagear os trabalhadores que ganham um salário mínimo e não um fascista que tira direitos, sonhos e as possibilidades de vida daqueles mais vulneráveis, que estão nas calçadas”.

O discurso faz referência a casos relatados em São Paulo de que o prefeito teria retirado cobertores e mandado atirar jatos d’água em moradores de rua. Sinais, na visão de Torres, de que é um “criminalizador da pobreza”.

O protesto que ajudou a organizar em Natal não teve “chuva de ovos”, mas gritos que ecoavam pelo terceiro piso do shopping onde está instalado o teatro do grupo empresarial de Flávio Rocha.

A homenagem realizada no local e alvo da manifestação foi proposta pelo presidente afastado da Câmara de Natal, Raniere Barbosa, suspeito de envolvimento em esquema de desvio de verbas públicas. Ele nega participação nos fatos. O presidente em exercício da Câmara, Ney Lopes Júnior, que fez discurso em nome dos vereadores, ressaltou que o título “aproxima Doria do povo”.

17/08/2017

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