Construídas pela Odebrecht, casas ligadas a Garotinho não têm porta, telhado e janela

Conjunto em Campos citado por delator não foi concluído, mas empresa recebeu

Na cozinha de Vilma da Conceição, a placa da obra abandonada virou mesa: “Aviso: mantenha a limpeza e a organização do canteiro”. Sem porta, janela, telhado e ligação de esgoto, ela se esforça para deixar limpa a casa de 43 metros quadrados por onde os netos circulam. A poeira e os mosquitos, no entanto, insistem.

— Não tem nada, só o grosso — diz ela, que improvisou para amenizar a falta de caixa d’água, outro problema estrutural do imóvel. — Providenciei uma mangueira.

Conforme O GLOBO, apesar da precariedade, uma conta com base nos contratos assinados entre a prefeitura de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, e a Odebrecht indica o valor da casa de Vilma aos cofres do município: R$ 114 mil. Ex-superintendente da empreiteira no Rio, Leandro Azevedo insinuou, em delação premiada, que os dois editais vencidos pela companhia no escopo do programa Morar Feliz — principal projeto habitacional das duas gestões (2009-2016) de Rosinha Garotinho (PR) na prefeitura de Campos — foram montados para favorecer a empresa.

Leandro e seu então superior imediato, Benedicto Júnior, ex-presidente da construtora, calculam gastos de R$ 27,5 milhões em caixa 2 em quatro campanhas da ex-prefeita de Campos e do ex-governador Anthony Garotinho (PR) entre 2008 e 2014. Garotinho nega:

— Não houve fraude na montagem do edital e na execução da obra. E não existiu caixa 2.

A empreiteira foi contratada para erguer 9.198 residências populares nas duas fases do Morar Feliz. A construtora entregou 6.132 e deixou 3.066 pelo caminho, em diferentes estágios. Algumas, mesmo precárias, tinham um grau mais avançado de acabamento e foram invadidas, caso do imóvel onde mora Vilma. Mesmo com menos casas entregues, a empreiteira vai receber mais do que o previsto no momento da assinatura dos contratos — um de 2009 e outro de 2013. Após uma série de aditivos, a soma chegou a R$ 1,05 bilhão, dos quais cerca de R$ 688 milhões já foram quitados, segundo a prefeitura. Cada casa popular vai sair por 32% a mais do que sairia caso os contratos não tivessem sido alterados.

Além da contratação em lote único, citada por Azevedo no depoimento, outros dois pontos praticamente inviabilizavam a participação de empreiteiras menores na concorrência: a empresa deveria, simultaneamente, estar envolvida em pelo menos dez construções de grande porte e ter o índice de endividamento menor ou igual a 0,30, considerado baixíssimo no mercado. Entre as empreiteiras grandes, apenas a Odebrecht tinha um braço dedicado às construções populares.

DELATOR DIZ QUE HOUVE FRAUDE

O ex-executivo contou que a licitação foi fraudada. Para não participar sozinha, a Odebrecht convenceu Carioca Engenharia e Queiroz Galvão a entrarem no certame. Avisou o valor que apresentaria, e as concorrentes se comprometeram a dar lances maiores. Os números mostram uma vitória por margem mínima: a Odebrecht venceu com uma proposta de R$ 357,4 milhões; a Queiroz Galvão deu um lance de R$ 357,5 milhões, e a Carioca ofereceu R$ 357,6 milhões. Entre a empresa vencedora e a terceira colocada, a diferença foi de 0,05%. Carioca e Queiroz Galvão não comentaram.

Planilhas apresentadas pelos delatores associam o suposto pagamento ilícito às campanhas de Garotinho e Rosinha com a obra em Campos. O ex-governador diz que as acusações representam uma vingança por conta das denúncias que já fez sobre corrupção em obras da Odebrecht. Ele afirma que as obras pararam porque o município fez revisão em contratos a partir de 2015, quando as receitas diminuíram.

— Eu ia fazer caixa 2 para me expor, denunciando esse pessoal todo que está aí? Eu seria louco de ficar vulnerável ao ataque dessas pessoas?

Enquanto isso, em Ururaí, conjunto onde nem todas as casas foram entregues, Adriana Santos, mãe de seis filhos, aguarda:

— Ia pagar alguém para fazer o esgoto, mas não sei se vou ficar aqui. É muita incerteza — diz ela, que também ocupou uma casa inacabada.

20/04/2017

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