Brasileiro troca música por ciência e ganha bolsa de R$ 2 milhões nos EUA

Quando a equipe da Fundação MacArthur começou a telefonar para as 24 pessoas que ela havia selecionado para receberem a edição 2017 de sua “bolsa de gênios”, precisou tentar várias vezes antes de conseguir falar com o brasileiro Gabriel Victora, um dos nomes do seleto grupo. “Recebi vários telefonemas seguidos de um número desconhecido de Chicago. Eu estava assistindo a uma palestra e não pude atender. Quando liguei de volta depois da palestra, uma pessoa me perguntou se eu podia falar sem ninguém me escutar, depois me deu os parabéns e a notícia”, contou o imunologista, em entrevista ao G1.

A notícia foi finalmente divulgada ao público na última quarta-feira (11), quando os nomes dos 24 ganhadores da prestigiada MacArthur Fellow foram divulgados. O prêmio é conhecido como “bolsa de gênios” por causa do volume de dinheiro que oferece a cada premiado – US$ 625 mil, o equivalente a R$ 1,98 milhão, pagos em um período de cinco anos e sem a exigência de contrapartidas, relatórios ou comprovação de desempenho. Também contribui para essa fama a aura de mistério que envolve o processo seletivo: ninguém pode se candidatar à bolsa.

“Ninguém sabe nada sobre as nomeações, nem quem são os ‘nomeadores’, tudo é muito discreto”, diz Victora, que é o único brasileiro do grupo. Entre os outros homenageados estão pessoas que vivem nos Estados Unidos e atuam em diversos campos, como uma ativista de justiça social do Equador, uma cientista de computação de Israel e um diretor de ópera americano.

O campo em que Victora atua é o da imunologia. Ele chefia o Laboratório de Dinâmica de Linfócitos da Universidade Rockefeller, em Nova York, onde pesquisa como os anticorpos ganham mais potência para neutralizar vírus, bactérias e outros agentes causadores de doenças (os patógenos).

“No princípio, esses anticorpos não são muito potentes, mas a potência aumenta de forma dramática com o tempo após a infecção. Nosso laboratório estuda os mecanismos celulares que levam a esse aumento.” – Gabriel Victora

De acordo com o pesquisador, as vacinas são uma maneira de gerar anticorpos de alta potência contra um patógeno sem ter que passar pela doença. “Isso resulta em uma espécie de memória, tal que se o patógeno verdadeiro aparecer, será eliminado antes que possa causar qualquer sintoma. Portanto, um melhor entendimento desse processo pode em princípio ajudar no desenvolvimento de melhores vacinas”, explicou.

Da música para a pesquisa científica

O profundo conhecimento de como funcionam os linfócitos B (as células que produzem os anticorpos) pode indicar que Victora dedicou sua vida ao estudo da imunologia, mas ele atua na área há pouco mais de dez anos. Quando se mudou para os Estados Unidos, no fim da década de 1990, seu plano era seguir a carreira de pianista. Ele concluiu a graduação e o mestrado em piano na Faculdade de Música Mannes, de Nova York.

“Depois de alguns anos como concertista e professor de música resolvi mudar de ares (um pouco por causa da rotina de estudos, que eu achava muito repetitiva)”, lembra o brasileiro. Por novos ares, entenda-se começar um mestrado em imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em São Paulo. De acordo com ele, a escolha da área de imunologia foi “um pouco por acaso”.

“Meus pais são amigos do Prof. Jorge Kalil da USP, que é diretor de um laboratório de imunologia. Falei com ele sobre minha vontade de entrar na área das biológicas e ele me ofereceu um estágio no seu laboratório. Daí, nunca mais quis sair…”

Depois de concluir seu segundo mestrado, em 2006, ele voltou aos Estados Unidos, onde se formou PhD em imunologia pela Universidade de Nova York, em 2011.

Hoje, seu trabalho passa longe do piano e envolve a imunologia tradicional com a terapia genética, estudando de perto o comportamento dos anticorpos de camundongos.

Ciência ‘básica’ x ciência ‘prática’

Apesar de mencionar as vacinas para explicar seu trabalho a pessoas leigas, Gabriel Victora ressalta que sua atuação está no campo da ciência “básica”, e não “prática”. Para ele, ciência “básica” é a busca de regras que explicam como a natureza funciona.

“O que motiva os cientistas básicos não é somente resolver problemas práticos, mas também entender a natureza. O objetivo prático de fazer esse tipo de ciência é que é com esse processo que se descobrem novas idéias e técnicas que podem no futuro ser exploradas para aplicação prática.”

“No nosso caso, buscamos entender as regras que regem como o sistema imune produz anticorpos contra substâncias alheias ao corpo, e como controlar a especificidade dessa resposta. Esse conhecimento pode servir de base, por exemplo, para o desenho racional de vacinas ou para o tratamento de algumas doenças autoimunes.”

É justamente pela sua abordagem original no estudo e descrição da natureza dos anticorpos que a Fundação MacArthur decidiu incluir o nome do brasileiro entre a prestigiada lista de “gênios bolsistas”. Segundo ele, a importância da notícia vai além do financiamento de pesquisas. “Acho que qualquer prêmio para a ciência, especialmente a básica, tem um efeito importante de divulgação para o público geral”, incluindo o público brasileiro. “O Brasil está sofrendo cortes drásticos no financiamento científico, e quanto mais consciente o público estiver do que está acontecendo, melhor”, disse ele.

13/10/2017

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